IMPRENSA E DEMOCRACIA
Sobre os critérios que ditaram a impressionante
descida de Cabo Verde, (Cristina Fontes) avançou uma “explicação”
original: "os critérios são a existência de uma única televisão e
estamos em condições claras de melhorar essa situação, já que foram
atribuídos novos canais”. Muito bem. Pergunto: “atribuídos” a quem,
senhora Ministra? Faz-me lembrar aquele bonacheirão comunista italiano,
citado por Jean-François Revel, o qual, a respeito do pluralismo, dizia
o seguinte: “Finalmente, compreendi o que é o pluralismo. É quando
várias pessoas pensam como eu!”. Os “novos” canais foram atribuídos,
num processo pouco transparente, à malta próxima do Poder. Assim sendo,
é o mesmo que ter “vários canais de um só partido”. Esse jogo de
aparências nada acrescenta ao pluralismo social e político. Antes
limita o exercício efectivo da Liberdade. O Poder, doravante, não tem
apenas um canal, a TCV, mas vários canais, ao seu inteiro dispor. Vai
ser uma festa! Além disso, o “argumento” é ridículo. Se o critério
fosse “a existência de uma única televisão“, como pretende a linda
Ministra, Cabo Verde estaria, todos os anos, a perder 16 lugares, já
que “a existência de uma única televisão” não é de hoje. É uma situação
que se arrasta há vários anos
A democracia não se concebe sem uma imprensa
livre, plural e dinâmica. Não há democracia quando o processo público é
invisível. Não há democracia quando o Estado é opaco. A imprensa é a
voz da cidadania, o último refúgio da Liberdade, sobretudo num país,
como o nosso, em que a Justiça, “contra legem”, decidiu não cumprir o
seu papel constitucional, deixando os homens do Poder à vontadinha, na
orgia da impunidade. Se a imprensa não for o “quarto poder”, como disse
alguém, então não passará da “quinta coluna” ao serviço do Governo. Ou
ela é um raio de luz do progresso, um contrapeso à tentação
maioritária, ou é, definitivamente, o paraíso perdido dos sicofantas. A
imprensa é o termómetro que mede a temperatura da democracia. Quando um
país, como Cabo Verde, desce (num só ano!!!) 16 lugares no “ranking” da
liberdade de imprensa, algo vai muito mal no sistema político. Não
adociquemos a pílula. A democracia cabo-verdiana está, neste momento,
numa preocupante curva descendente. Perde qualidade. O Banco Mundial,
num relatório recente, divulgado em Singapura, já tinha sublinhado o
aumento da corrupção; o PNUD revelou um outro défice lamentável: Cabo
Verde, de 2001 a esta parte, desceu cinco lugares no Índice de
Desenvolvimento Humano. Os dados sobre a pobreza confirmam o desleixo
de um Governo mal orientado. A insegurança galga terreno, mormente nos
maiores centros urbanos. O brado, aliás, internacionalizou-se: é o
próprio senhor Romano Prodi, Primeiro-Ministro italiano, que, numa
mensagem diplomática mas carregada de significado, nos solicita o
reforço de uma área fundamental para a soberania e o desenvolvimento
económico. A segurança e a liberdade individual são os esteios básicos
da Riqueza das Nações. É dos livros. E da história económica. Ou não o
sabeis?
A respeito da insegurança, os maiores
estudiosos, como James Wilson, têm dito coisas interessantes. A
principal causa do crime é a impunidade, dizem. A psicologia do larápio
é uma ciência formidável. Ele pensa, planeia o golpe, afina a
estratégia. Quando o delinquente percebe, finalmente, que, pela inacção
do Estado, tem pela frente boas “oportunidades”, algo como um nicho de
mercado livre de concorrência, então age tranquilamente. Ora, o actual
Governo não é só um promotor passivo da criminalidade, senão que é um
centro privilegiado de delinquência pública! Haja em vista os
criminosos eleitorais que alegremente promove, aqui e além-mar, nos
consulados da diáspora. É tudo malta “fina”! Enquanto isso...a
descentralização parou no tempo. São as próprias Comissões
Instaladoras, todas afectas ao Rei das Copas, que vêm ao terreiro, de
igual para igual, reclamando o triste abandono em que se encontram. A
cidade da Praia é o filme de uma governação trôpega e fugidia, com
cortes frequentes de energia eléctrica, falta de água, saneamento
deficiente, ruas esburacadas, animais à solta, lixo por toda a parte, o
diabo! Quem diz que “isto” é o “Japão de África” só pode ter, na
verdade, exagerado no famoso “licor” de Santo Antão, que abranda a
capacidade de raciocínio de qualquer um, convenhamos! A “coisa”, como
se sabe, engolida em doses cavalares, proporciona “visões” fantásticas!
Não é de admirar. E o sujeito “adquire”, nesse intervalo de ilusão,
“qualidades” únicas, tornando-se, nas circunstâncias, quando a décima
garrafa é esvaziada, omnipotente e omnipresente...
Felizmente, no meio disso tudo, temos a dr.ª
Cristina Fontes, ilustre e radiosa, com as suas curiosas “explicações”
sobre a queda de Cabo Verde no capítulo da liberdade de imprensa. Vale
a pena analisarmos algumas passagens da dita “justificação”. É um
retrato simbólico, singular, da compreensão que o PAICV tem do sistema
democrático. A Ministra avisa (e vocês aí, distraídos, não querem
ouvir!) que há “órgãos claramente tendenciosos”. Que há alguma imprensa
que faz “guerrilha política”. Que dizer? Pelas minhas luzes, isso é
apenas uma compreensão estalinista/maoista da liberdade de imprensa e
da informação. Na cosmovisão estalinista, estribada num preconceito
monista da História e da Sociedade, não há Pluralismo nem Oposição. Só
existem, como esclareceu Edgar Morin, sabotadores, “antipatriotas” e
“inimigos do povo”, os quais merecem ser, “ipso facto”, encarcerados ou
deportados, num “espaço-tempo” purificador. O Gulag é o sonho
prioritário de todos os adeptos do Partido Único. Mais à frente, a
Ministra admitiu solenemente que "poderá haver alguma reticência quando
se vê um órgão de comunicação social a fazer política partidária". Ora,
se algum dia, na História da humanidade, algum filósofo pensou a
Liberdade de Imprensa, foi precisamente, espero, para isso: para que
houvesse, nos limites precisos da Lei, a possibilidade de expressão das
múltiplas convicções políticas, filosóficas, morais e religiosas que
existem numa sociedade plural e dinâmica. Ao contrário do dogmatismo
estalinista, isto não é patológico, mas fisiológico, pelo menos numa
sociedade aberta e democrática. Pelas minhas luzes, expressar uma ideia
ou fazer uma crítica (ao Poder) não é crime. Crime é, sim, proibir,
como fazem os chefetes deste mundo, a livre expressão de ideias, e de
ideais. Crime é bloquear a crítica, apagar a denúncia, brandir o
chicote contra a transparência. Criticar, mais do que um direito, é um
dever de cidadania, O Primeiro Dever Humano Fundamental, mormente numa
sociedade podre, dominada por uma “classe” dirigente arrogante,
arbitrária e patrimonialista.
Sobre os critérios que ditaram a impressionante descida de Cabo Verde, avançou uma “explicação” original:
"Os critérios são a existência de uma única
televisão e estamos em condições claras de melhorar essa situação, já
que foram atribuídos novos canais”. Muito bem. Pergunto: “atribuídos” a
quem, senhora Ministra? Faz-me lembrar aquele bonacheirão comunista
italiano, citado por Jean-François Revel, o qual, a respeito do
pluralismo, dizia o seguinte: “Finalmente, compreendi o que é o
pluralismo. É quando várias pessoas pensam como eu!”. Os “novos” canais
foram atribuídos, num processo pouco transparente, à malta próxima do
Poder. Assim sendo, é o mesmo que ter “vários canais de um só partido”.
Esse jogo de aparências nada acrescenta ao pluralismo social e
político. Antes limita o exercício efectivo da Liberdade. O Poder,
doravante, não tem apenas um canal, a TCV, mas vários canais, ao seu
inteiro dispor. Vai ser uma festa! Além disso, o “argumento” é
ridículo. Se o critério fosse “a existência de uma única televisão“,
como pretende a linda Ministra, Cabo Verde estaria, todos os anos, a
perder 16 lugares, já que “a existência de uma única televisão” não é
de hoje. É uma situação que se arrasta há vários anos.
Os critérios dos RSF (ver www.rsf.org)
são claros e têm a ver com a persistente autocensura, o boicote
publicitário, o monopólio da televisão pública, etc.. O Governo,
promovendo um notório e clientelista sistema de “rent-seeking”, em
conluio com certos órgãos de comunicação “social”, é o grande culpado
pela actual situação, que bloqueia o pluralismo e atrasa a consolidação
da democracia.
Doravante, o Governo deve cumprir, espera-se, a
Constituição e agir no respeito escrupuloso pela ética pública, com
sentido de imparcialidade e justiça. Deve dar um salto qualitativo,
passando da cultura autoritária para uma cultura liberal e democrática.
Resta saber se, aí nas alturas do castelo governamental, há vontade
política para tanto. Dir-me-ão: “É preciso dar o benefício da dúvida ao
Governo”. Pois, claro, bonito. O problema é que o povo anda nesse
carnaval do “benefício da dúvida” há seis anos, sem
quaisquer…benefícios práticos! Você não acha que é tempo demais? Eu
acho. A não ser que alguns queiram seguir o exemplo do ditador de
Havana, cujo “período de transição” para o Socialismo, o Reino da
Felicidade Geral, nunca mais acaba! Há uma piada cubana que resume a
notável farsa: “Certo dia, um fervoroso militante da juventude
comunista pergunta a um colega mais velho: então, quando é que
entraremos na prometida fase final do Comunismo? Com um largo sorriso,
o homem, grande conhecedor da doutrina marxista, dá-lhe a crua resposta
– jovem, quando você alcançar as praias da Florida. Tente a sua sorte,
que eu, como Fidel, estou velho demais para isso. Vai, meu filho. O
Comunismo existe na América, onde o cidadão pode melhorar a sua vida e
cuidar da sua família. Cuba, meu filho, continua a ser um pobre e
atrasado país Capitalista, bloqueado, há 50 anos, por uma minoria
antidemocrática e privilegiada. Boa sorte, filho”.
Prezado leitor, a piada afinal não é “cubana”. É
uma modesta criação minha. Perdoa-me a indelicadeza! Aliás, não é
“piada” coisíssima nenhuma. É a mais pura realidade, a triste
realidade, que uns tentam negar e outros reproduzir, “mutatis
mutandis”, em Cabo Verde, sobretudo no capítulo da liberdade de
imprensa. No ano passado, com pompa e circunstância, o Presidente da
República de Cabo Verde foi beber, como todos sabemos, mais um trago do
estalinismo na ilha-cárcere de Fidel. Foi giro. “Conferência dos Países
Não Alinhados”, a alta “diplomacia” que alguns cultivam carinhosamente.
Parece que a moda pegou. Pelos vistos, esquecer o passado da “Força,
Luz e Guia” não é lá muito fácil. Contudo: insistir nesse passado é
adiar o futuro! É adiar Cabo Verde!
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