segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

IMPRENSA E DEMOCRACIA

Sobre os critérios que ditaram a impressionante descida de Cabo Verde, (Cristina Fontes) avançou uma “explicação” original: "os critérios são a existência de uma única televisão e estamos em condições claras de melhorar essa situação, já que foram atribuídos novos canais”. Muito bem. Pergunto: “atribuídos” a quem, senhora Ministra? Faz-me lembrar aquele bonacheirão comunista italiano, citado por Jean-François Revel, o qual, a respeito do pluralismo, dizia o seguinte: “Finalmente, compreendi o que é o pluralismo. É quando várias pessoas pensam como eu!”. Os “novos” canais foram atribuídos, num processo pouco transparente, à malta próxima do Poder. Assim sendo, é o mesmo que ter “vários canais de um só partido”. Esse jogo de aparências nada acrescenta ao pluralismo social e político. Antes limita o exercício efectivo da Liberdade. O Poder, doravante, não tem apenas um canal, a TCV, mas vários canais, ao seu inteiro dispor. Vai ser uma festa! Além disso, o “argumento” é ridículo. Se o critério fosse “a existência de uma única televisão“, como pretende a linda Ministra, Cabo Verde estaria, todos os anos, a perder 16 lugares, já que “a existência de uma única televisão” não é de hoje. É uma situação que se arrasta há vários anos

A democracia não se concebe sem uma imprensa livre, plural e dinâmica. Não há democracia quando o processo público é invisível. Não há democracia quando o Estado é opaco. A imprensa é a voz da cidadania, o último refúgio da Liberdade, sobretudo num país, como o nosso, em que a Justiça, “contra legem”, decidiu não cumprir o seu papel constitucional, deixando os homens do Poder à vontadinha, na orgia da impunidade. Se a imprensa não for o “quarto poder”, como disse alguém, então não passará da “quinta coluna” ao serviço do Governo. Ou ela é um raio de luz do progresso, um contrapeso à tentação maioritária, ou é, definitivamente, o paraíso perdido dos sicofantas. A imprensa é o termómetro que mede a temperatura da democracia. Quando um país, como Cabo Verde, desce (num só ano!!!) 16 lugares no “ranking” da liberdade de imprensa, algo vai muito mal no sistema político. Não adociquemos a pílula. A democracia cabo-verdiana está, neste momento, numa preocupante curva descendente. Perde qualidade. O Banco Mundial, num relatório recente, divulgado em Singapura, já tinha sublinhado o aumento da corrupção; o PNUD revelou um outro défice lamentável: Cabo Verde, de 2001 a esta parte, desceu cinco lugares no Índice de Desenvolvimento Humano. Os dados sobre a pobreza confirmam o desleixo de um Governo mal orientado. A insegurança galga terreno, mormente nos maiores centros urbanos. O brado, aliás, internacionalizou-se: é o próprio senhor Romano Prodi, Primeiro-Ministro italiano, que, numa mensagem diplomática mas carregada de significado, nos solicita o reforço de uma área fundamental para a soberania e o desenvolvimento económico. A segurança e a liberdade individual são os esteios básicos da Riqueza das Nações. É dos livros. E da história económica. Ou não o sabeis?
A respeito da insegurança, os maiores estudiosos, como James Wilson, têm dito coisas interessantes. A principal causa do crime é a impunidade, dizem. A psicologia do larápio é uma ciência formidável. Ele pensa, planeia o golpe, afina a estratégia. Quando o delinquente percebe, finalmente, que, pela inacção do Estado, tem pela frente boas “oportunidades”, algo como um nicho de mercado livre de concorrência, então age tranquilamente. Ora, o actual Governo não é só um promotor passivo da criminalidade, senão que é um centro privilegiado de delinquência pública! Haja em vista os criminosos eleitorais que alegremente promove, aqui e além-mar, nos consulados da diáspora. É tudo malta “fina”! Enquanto isso...a descentralização parou no tempo. São as próprias Comissões Instaladoras, todas afectas ao Rei das Copas, que vêm ao terreiro, de igual para igual, reclamando o triste abandono em que se encontram. A cidade da Praia é o filme de uma governação trôpega e fugidia, com cortes frequentes de energia eléctrica, falta de água, saneamento deficiente, ruas esburacadas, animais à solta, lixo por toda a parte, o diabo! Quem diz que “isto” é o “Japão de África” só pode ter, na verdade, exagerado no famoso “licor” de Santo Antão, que abranda a capacidade de raciocínio de qualquer um, convenhamos! A “coisa”, como se sabe, engolida em doses cavalares, proporciona “visões” fantásticas! Não é de admirar. E o sujeito “adquire”, nesse intervalo de ilusão, “qualidades” únicas, tornando-se, nas circunstâncias, quando a décima garrafa é esvaziada, omnipotente e omnipresente...
Felizmente, no meio disso tudo, temos a dr.ª Cristina Fontes, ilustre e radiosa, com as suas curiosas “explicações” sobre a queda de Cabo Verde no capítulo da liberdade de imprensa. Vale a pena analisarmos algumas passagens da dita “justificação”. É um retrato simbólico, singular, da compreensão que o PAICV tem do sistema democrático. A Ministra avisa (e vocês aí, distraídos, não querem ouvir!) que há “órgãos claramente tendenciosos”. Que há alguma imprensa que faz “guerrilha política”. Que dizer? Pelas minhas luzes, isso é apenas uma compreensão estalinista/maoista da liberdade de imprensa e da informação. Na cosmovisão estalinista, estribada num preconceito monista da História e da Sociedade, não há Pluralismo nem Oposição. Só existem, como esclareceu Edgar Morin, sabotadores, “antipatriotas” e “inimigos do povo”, os quais merecem ser, “ipso facto”, encarcerados ou deportados, num “espaço-tempo” purificador. O Gulag é o sonho prioritário de todos os adeptos do Partido Único. Mais à frente, a Ministra admitiu solenemente que "poderá haver alguma reticência quando se vê um órgão de comunicação social a fazer política partidária". Ora, se algum dia, na História da humanidade, algum filósofo pensou a Liberdade de Imprensa, foi precisamente, espero, para isso: para que houvesse, nos limites precisos da Lei, a possibilidade de expressão das múltiplas convicções políticas, filosóficas, morais e religiosas que existem numa sociedade plural e dinâmica. Ao contrário do dogmatismo estalinista, isto não é patológico, mas fisiológico, pelo menos numa sociedade aberta e democrática. Pelas minhas luzes, expressar uma ideia ou fazer uma crítica (ao Poder) não é crime. Crime é, sim, proibir, como fazem os chefetes deste mundo, a livre expressão de ideias, e de ideais. Crime é bloquear a crítica, apagar a denúncia, brandir o chicote contra a transparência. Criticar, mais do que um direito, é um dever de cidadania, O Primeiro Dever Humano Fundamental, mormente numa sociedade podre, dominada por uma “classe” dirigente arrogante, arbitrária e patrimonialista.
Sobre os critérios que ditaram a impressionante descida de Cabo Verde, avançou uma “explicação” original:
"Os critérios são a existência de uma única televisão e estamos em condições claras de melhorar essa situação, já que foram atribuídos novos canais”. Muito bem. Pergunto: “atribuídos” a quem, senhora Ministra? Faz-me lembrar aquele bonacheirão comunista italiano, citado por Jean-François Revel, o qual, a respeito do pluralismo, dizia o seguinte: “Finalmente, compreendi o que é o pluralismo. É quando várias pessoas pensam como eu!”. Os “novos” canais foram atribuídos, num processo pouco transparente, à malta próxima do Poder. Assim sendo, é o mesmo que ter “vários canais de um só partido”. Esse jogo de aparências nada acrescenta ao pluralismo social e político. Antes limita o exercício efectivo da Liberdade. O Poder, doravante, não tem apenas um canal, a TCV, mas vários canais, ao seu inteiro dispor. Vai ser uma festa! Além disso, o “argumento” é ridículo. Se o critério fosse “a existência de uma única televisão“, como pretende a linda Ministra, Cabo Verde estaria, todos os anos, a perder 16 lugares, já que “a existência de uma única televisão” não é de hoje. É uma situação que se arrasta há vários anos.
Os critérios dos RSF (ver www.rsf.org) são claros e têm a ver com a persistente autocensura, o boicote publicitário, o monopólio da televisão pública, etc.. O Governo, promovendo um notório e clientelista sistema de “rent-seeking”, em conluio com certos órgãos de comunicação “social”, é o grande culpado pela actual situação, que bloqueia o pluralismo e atrasa a consolidação da democracia.
Doravante, o Governo deve cumprir, espera-se, a Constituição e agir no respeito escrupuloso pela ética pública, com sentido de imparcialidade e justiça. Deve dar um salto qualitativo, passando da cultura autoritária para uma cultura liberal e democrática. Resta saber se, aí nas alturas do castelo governamental, há vontade política para tanto. Dir-me-ão: “É preciso dar o benefício da dúvida ao Governo”. Pois, claro, bonito. O problema é que o povo anda nesse carnaval do “benefício da dúvida” há seis anos, sem quaisquer…benefícios práticos! Você não acha que é tempo demais? Eu acho. A não ser que alguns queiram seguir o exemplo do ditador de Havana, cujo “período de transição” para o Socialismo, o Reino da Felicidade Geral, nunca mais acaba! Há uma piada cubana que resume a notável farsa: “Certo dia, um fervoroso militante da juventude comunista pergunta a um colega mais velho: então, quando é que entraremos na prometida fase final do Comunismo? Com um largo sorriso, o homem, grande conhecedor da doutrina marxista, dá-lhe a crua resposta – jovem, quando você alcançar as praias da Florida. Tente a sua sorte, que eu, como Fidel, estou velho demais para isso. Vai, meu filho. O Comunismo existe na América, onde o cidadão pode melhorar a sua vida e cuidar da sua família. Cuba, meu filho, continua a ser um pobre e atrasado país Capitalista, bloqueado, há 50 anos, por uma minoria antidemocrática e privilegiada. Boa sorte, filho”.
Prezado leitor, a piada afinal não é “cubana”. É uma modesta criação minha. Perdoa-me a indelicadeza! Aliás, não é “piada” coisíssima nenhuma. É a mais pura realidade, a triste realidade, que uns tentam negar e outros reproduzir, “mutatis mutandis”, em Cabo Verde, sobretudo no capítulo da liberdade de imprensa. No ano passado, com pompa e circunstância, o Presidente da República de Cabo Verde foi beber, como todos sabemos, mais um trago do estalinismo na ilha-cárcere de Fidel. Foi giro. “Conferência dos Países Não Alinhados”, a alta “diplomacia” que alguns cultivam carinhosamente. Parece que a moda pegou. Pelos vistos, esquecer o passado da “Força, Luz e Guia” não é lá muito fácil. Contudo: insistir nesse passado é adiar o futuro! É adiar Cabo Verde!

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Jurista e Docente Universitário

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