quarta-feira, 4 de junho de 2008

INSTITUIÇÕES E LIDERANÇA

O sr. Júlio, com aquela pose balofa e um jogo de imagens previsível, nos píncaros da redoma burocrática, não conseguiu apresentar uma única ideia válida para o país, nem tampouco "ler", como se impunha, a imensa pauta de desafios que o mundo coloca (actualmente) à nossa nação. Cartilha notável de sandices e clichés sem fundamento, a citada "entrevista"serve, todavia, como referência e barómetro indispensável dessa "nova classe" que anda por aí, confundindo, naturalmente, os interesses permanentes do Estado com os negócios circunstanciais do partido no poder


O espaço mediático é, hoje, uma espécie de "montra" onde os políticos expõem os seus "produtos"/argumentos e as ideias que defendem para o país. A imprensa está, pois, no centro da "poliarquia" (Robert Dahl) e serve para articular, ou "mediar", as relações entre os governantes e os governados. Da "construção" de lideranças à "legitimação" de certas políticas, tudo passa, necessariamente, pelo crivo mediático, cumprindo um ritual que surgiu aí por volta do século XVII, na transição da época medieval para a época moderna.


Não se pode, portanto, negligenciar a esfera pública e os gestos que, num fluir dialéctico (isto é: "dialógico"), preenchem a cidadania democrática.


A imprensa é, porém, um "Jano" de duas faces. Tanto pode libertar e esclarecer como servir de instrumento, e instrumento poderoso, de alienação e subserviência. A última e longa (cerca de seis páginas...) entrevista de Júlio Correia ao jornal "A Semana" enquadra-se, perfeitamente, na segunda categoria. O sr. Júlio, com aquela pose balofa e um jogo de imagens previsível, nos píncaros da redoma burocrática, não conseguiu apresentar uma única ideia válida para o país, nem tampouco "ler", como se impunha, a imensa pauta de desafios que o mundo coloca (actualmente) à nossa nação. Cartilha notável de sandices e clichés sem fundamento, a citada "entrevista"serve, todavia, como referência e barómetro indispensável dessa "nova classe" que anda por aí, confundindo, naturalmente, os interesses permanentes do Estado com os negócios circunstanciais do partido no poder.


Por entre "cacofonias" linguísticas (exemplo: "... todos possamos nos responsabilizarmos"!...) e confusões bizantinas, o sr. Júlio Correia, primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional, mostra-se um burocrata perigoso, pronto a pisar, com a fúria adveniente da sua formação “revolucionária”, as liberdades e as garantias constitucionais vigentes na República de Cabo Verde, duramente conquistadas após o "socialismo precário" que vigorou no solo pátrio de 1975 a 1990, num clima de medo, delação e perseguições brutais. A ditadura proto-totalitária nunca soube, nem quis saber, o que é a dignidade humana e o valor do indivíduo.


APONTEMOS, POIS, AS SANDICES MAIS SIGNIFICATIVAS DA PARLENDA "JULIANA":

1) Ao afirmar que os dirigentes dos "serviços desconcentrados" nas ilhas não podem fazer campanha a favor do MpD, Sua Eminência, O Vice, revela que ainda não aprendeu a distinguir duas coisas básicas: Estado e Governo (ou partido...). Os dirigentes dos serviços locais do Estado não são lacaios do PAICV, nem "delegados do Governo". São homens livres que, nos limites da lei, podem exercer os seus legítimos direitos políticos. Não estão proibidos de optar pelo partido A... em vez do partido B. De qualquer forma, é uma falsa questão, porque quem usa e abusa dos recursos do Estado é o PAICV, que até faz gala dessa postura burlesca e antidemocrática (ver Humberto Cardoso, "O partido/Estado em onda amarela", neste link da Internet: http://emcima.blogspot.com/2008/04/o-partidoestado-em-onda-amarela.html);



2) Quando o sr. Júlio Correia ataca as pobres "enfermeiras dos Mosteiros", que estariam a "vandalizar" (!) as políticas públicas da nação, pelo facto de integrarem as listas do MpD, ele passa já, de pleno direito, e numa ascese admirável do grotesco, ao plano do inqualificável. Não consigo enquadrar tal "totalitarice", mas relembro aos meus leitores que havia um grande pensador, Eric Voegelin, que usava uma expressão curiosa quando as coisas descambavam para lá dos limites: "estupidez criminosa" - o estado superior da ignorância. Há, realmente, uma diferença entre politiqueiros/boçais e...estadistas;



3) O sr. Júlio, qual correia de transmissão do "sistema", finge que o militante do PAICV é "caracterizado sobretudo pela sua benevolência "! Ora, isso é falso. Trata-se apenas de um velho "slogan" leninista, que podíamos chamar "o mito da santidade do partido". O militante que, no auge do espírito de "fraternidade", sacrifica-se em prol do partido, e do "colectivo", é uma impostura, um véu que encobre interesses inconfessáveis, algo que nunca existiu nos partidos de matriz totalitária. O sr. Júlio é a prova cabal do engodo: basta ver os sinais de riqueza que exibe. Seria capaz, pergunto, de explicar à nação "como" conseguiu esse pecúlio?



4) "Novo" Código Eleitoral? Mais um disparate "juliano". Na verdade, houve apenas uma revisão de alguns aspectos da lei. A arquitectura (essencial) do Código manteve-se intacta. Ninguém diz que temos uma "nova" Constituição só porque houve uma revisão (constitucional) em 1999. O que sucede é que o sr. Júlio não percebe uma coisa simples: a DGAE não foi "esvaziada", como pretende. O que se quis foi DESGOVERNAMENTALIZAR esse órgão, conferindo, por outro lado, a merecida dignidade à CNE; isso não quer dizer, obviamente, que tudo está bem; não está e devemos aprimorar, sim, o processo eleitoral, com prudência e de acordo com as lições da experiência. Mas sem legitimar a corrupção eleitoral e a manipulação dos cadernos, como aconteceu em 2006.



Júlio Correia é o retrato actualizado do "Conselheiro Acácio", essa belíssima figura, aprumada e muito amiga d' El Rei, idealizada por Eça de Queiroz n' O Primo Basílio. A mentalidade burocrática goza de supremacia sobre a liberdade e a cidadania. "Primeiro o partido, depois o resto"...



Júlio é, aliás, o mesmo Correia que, enquanto "tutela" da Polícia, confessava (lembram-se?) que escrevia "cartas" aos magistrados, pedindo uma melhor "coordenação" entre o poder judicial e a polícia, atitude inadmissível/irresponsável num Estado de Direito onde há uma clara separação de poderes e princípios constitucionais que balizam a actuação de cada órgão. Não hesitou, pois, em substituir a pedagogia pela promiscuidade.





Por vezes, o cavalheiro usa uma gravatinha para disfarçar. Mas o país já percebeu quem ele é.




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Jurista e Docente Universitário

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