quinta-feira, 22 de maio de 2008

A "ALMA BOLCHEVIQUE" E O DILEMA LIBERAL

Os cabo-verdianos estão, de repente, perante um espectáculo trágico e revelador: as regras morais e constitucionais, por mais solenes que sejam, não valem nada quando estão em causa os interesses imediatos do PAICV. Mentir, lançar boatos (vide o "A Semana"...), desinformar, agredir deputados, fabricar intrigas, intimidar adversários, etc., são, todavia, armas iníquas, reprováveis, ao serviço daqueles que, no fundo, não acreditam na democracia. Não são métodos da Sociedade Aberta, cujo alicerce é o primado do civismo e da justiça – "o charme da liberdade", como dizia Tocqueville


Exactamente como este vosso humilde criado previa (ver Casimiro de Pina, neste link: http://liberal.sapo.cv/noticia.asp?idEdicao=64&id=18500&idSeccao=527&Action=noticia), com base em sinais que nenhum analista sério podia ignorar, o MpD teve, de facto, um "crescimento notável" nos grandes centros urbanos, ganhando na Praia, em Assomada e no Mindelo, onde Isaura Gomes deixou Onésimo Silveira (e "tutti quanti"...) de rastos e em mau estado de conservação. Em São Filipe não ganhou, mas conseguiu meter dois vereadores na Câmara, dominando, ao lado do GIGA, a Assembleia Municipal local. Eugénio Veiga, para governar, vai ter que, doravante, mostrar os dentes com mais frequência e pôr de parte o estilo autoritário que trouxe da antiga Roménia comunista.
Como bem frisou Jorge Carlos Fonseca, o MpD recuperou municípios "simbólicos", o que prenuncia uma nova vaga na frente política interna (em 2011, desde logo).
O PAICV perdeu as eleições autárquicas de 18 de Maio.
O MpD é o partido mais votado e conquistou as Câmaras mais emblemáticas. Se Amílcar Spencer Lopes tivesse conservado Ribeira Brava, a derrota do PAICV seria fatal e irrecuperável. A Nomenklatura desabaria, num ápice, como um castelo de cartas. (Amílcar deixa, no entanto, um trabalho valioso no tocante à preservação do património cultural e religioso da ilha de Baltasar Lopes da Silva; é um legado que precisa de ser realçado, como exemplo a seguir pelo seu sucessor, se tiver, é claro, alguma sensibilidade estética).
O sr. Primeiro-Ministro, que não contava com este ciclone eleitoral que sacudiu o centro da "neveslândia", saiu claramente fragilizado, tendo jogado (e perdido) muito do seu prestígio, sobretudo na cidade de Assomada e na Praia, onde deu "tudo por tudo" pelo seu eterno partido-Estado. Os vassalos podem não gostar, mas há-de se convir que o suserano soçobrou!
O PAICV fica, por enquanto, acantonado nos municípios periféricos, com uma acentuada faixa de pobreza (Mosteiros, Brava, São Lourenço dos Órgãos, etc.), facto que, por si só, merece uma análise atenta em sede de "sociologia eleitoral".
Isto revela, para já, uma verdade incontornável: o PAICV convive mal com a crítica sistemática (em evidência nos grandes centros urbanos, onde a Imprensa desempenhou, aliás, um papel crucial) e não resiste, sublinhe-se, ao confronto alargado de ideias e projectos (o caso do sr. "Filú" é assaz paradigmático...). O MpD deve, pois, explorar esse filão promissor, mostrando, sempre que for preciso, as diferenças que o separam do partido no poder, cuja alma é essa triste mistura entre elementos da velha tradição revolucionária e algum verniz liberal (na economia...) mal assimilado.
As cenas de "agit-prop" promovidas pelo PAICV na cidade da Praia, na tentativa de negar os resultados eleitorais, e a brilhante vitória de Ulisses Correia e Silva, revelam que esse partido-Estado não se esqueceu dos métodos leninistas. Em síntese, aposta na seguinte e conhecida "estratégia":
1) Lança mentiras deliberadas, e grosseiras, na Imprensa, a fim de intoxicar a população e destruir a confiança no processo democrático (caso das famosas "urnas que foram guardadas em casa" - de certos delegados do MpD, já se vê!!! - , patetice prontamente desmentida pela CNE);
2) Promove distúrbios, chantagem psicológica e outras desordens, para depois atribuir, se possível, todas as culpas ao adversário político por essa mesma atmosfera de insegurança criada pelas "tropas de choque" do partido (vide o caso do sr. Fernando Moeda, que tentou associar, numa manobra moralmente inqualificável, o MpD à morte de um jovem praiense);
3) Mantém uma postura de ambiguidade, reafirmando as suas credenciais "democráticas" sem, contudo, pedir desculpas pelas falcatruas e mentiras entretanto descobertas; repare-se, por outro lado, que o sr. José Maria Neves, com toda a responsabilidade institucional que tem sobre os ombros, é incapaz de condenar as agressões e os desacatos verificados na Praia, incapaz, enfim, de reprovar o crime e exercer uma firme pedagogia democrática. Pelo contrário, permanece, mudo e sereno, no seu castelo doirado. Isso diz muito acerca de um carácter (humano?) e da natureza de um partido, para o qual qualquer meio é válido e bom para se chegar ao poder.
O "código genético" do PAICV, por mais que se queira negar este facto, é realmente imoral e antidemocrático. Inspira-se no "Catecismo Revolucionário" de Sergei Netchaiev e nas tácticas daninhas postuladas por Lenine e companhia.
Os cabo-verdianos estão, de repente, perante um espectáculo trágico e revelador: as regras morais e constitucionais, por mais solenes que sejam, não valem nada quando estão em causa os interesses imediatos do PAICV. Mentir, lançar boatos (vide o "A Semana"...), desinformar, agredir deputados, fabricar intrigas, intimidar adversários, etc., são, todavia, armas iníquas, reprováveis, ao serviço daqueles que, no fundo, não acreditam na democracia. Não são métodos da Sociedade Aberta, cujo alicerce é o primado do civismo e da justiça – "o charme da liberdade", como dizia Tocqueville.
PS: O sr. Júlio Correia, no altar do cinismo triunfante, decidiu transformar a vitória de Fernandinho Teixeira numa epopeia singular de "honestidade" e qualidade política! Ora, esse "argumentário" é, no mínimo, pacóvio. Pela simples razão de que a equipa do sr. Fernandinho possui uma baixíssima cultura (política), na base de um provincianismo serôdio que oscila entre a angariação fácil de eleitores e a auto-imagem de um "paizinho" que desceu do céu para cobrir Mosteiros de delícias, à expensas da Vaca Leiteira orçamental. Fernandinho ganhou? Sim, ganhou. Mas a eleição, ou até o plebiscito, não transforma ninguém naquilo que não é. Fernandinho continua, apesar de tudo, a ser o mesmo... Fernandinho, voando baixinho nas asas da rotina burocrática. Se tiver sorte, será um dia, democraticamente, um próspero comerciante, seguindo as boas práticas do seu partido-Estado.

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