JOHN GRAY E O "LIBERALISMO" ILIBERAL*
Casimiro de Pina, colunista do nosso jornal, presentemente a
residir em Macau, onde faz uma formação pós universitária em ciências jurídicas,
mereceu a honra de ser o editorialista de ontem, 24, no “Farol da Democracia
Representativa”, uma página on-line do Brasil, que reúne nomes de primeira água
no tocante ao pensamento liberal e à democracia representativa. No texto,
Casimiro de Pina faz a recensão de um grande livro de John Gray, um dos maiores
filósofos políticos do mundo e professor na London School of
Economics
John Gray, professor de Pensamento Europeu na London School
of Economics, é autor de livros bastante "populares" de filosofia política e
história das ideias.
Em 2003, precisamente dois anos após o "11 de Setembro",
publicou um livro intrigante, mas notavelmente perspicaz: "Al-Qaeda e o
significado de ser moderno". Nesta obra, vertiginosa e altamente bem
documentada, Gray acaba por concluir que a Al-Qaeda, ao contrário do que se tem
dito, não é um projecto arcaico, medieval ou "primitivo".
Ela é, pelo contrário, um subproduto da modernidade e do
Iluminismo ocidental. A "rede" islâmica, responsável pelos espectaculares
ataques de Nova Iorque, aparece, então, como um actor "globalizado" que
pretende, à semelhança dos anarquistas russos do século XIX e dos totalitarismos
europeus (nazismo, comunismo...) do século XX, criar um "mundo novo" a partir do
terror. Gray tem toda a razão: neste ponto, Al-Qaeda é um produto acabado da
modernidade. Não temos notícia de algo parecido nas cidades-Estado da
antiguidade ou nos modestos Principados medievais. Essa formidável capacidade de
projectar violência a nível mundial/planetário, numa espécie de "Internacional
do Terror", é realmente, quer gostemos ou não do argumento, um "acquis" sombrio
da modernidade.
Trata-se de uma criação demencial do Iluminismo e dos seus
profetas mais radicais, empenhados na "reconstrução" da condição humana e na
utopia "libertária". Karl Popper denominaria esses indivíduos "inimigos da
sociedade aberta".
Tanto a União Soviética (mediante uma teoria "científica"
da classe...) como a Alemanha nazi (mediante uma teoria "científica" da
raça...), antecedentes "vitais" – no sentido de Ortega Y Gasset - da Al-Qaeda,
visavam o mesmíssimo objectivo de base: edificar um mundo "liberto" do poder e
dos conflitos, onde o "governo dos homens" seria simplesmente substituído pela
impolítica "administração das coisas". Como escreveu John Gray (p. 16), "Nenhuma
época anterior acalentou projectos semelhantes. As câmaras de gás e os gulags
são modernos. Há muitas maneiras de ser moderno, algumas delas
monstruosas".
O livro de Gray lembra-me um outro escrito por Paul Berman
("Terror and Liberalism"), no qual este autor, numa viagem empolgante entre a
literatura
(Baudelaire, Victor Hugo, Fichte, Dostoievsky, Camus,
etc.), a estratégia diplomática e as relações internacionais, procura, num
"mapeamento" complexo, as "raízes" do terror nas correntes românticas (e
filosóficas) franco-alemãs e nos movimentos políticos que se inspiraram,
justamente, nessas correntes místico-totalitárias. Camus e Raymond Aron foram
dos poucos franceses que escaparam dessa teia imoral supostamente
"progressista".
Existe, ouso afirmar, um estranho ponto em que o romantismo
toca o "disco duro" do iluminismo: a utopia da perfeição, a superação das
"desigualdades" – isto é, a eterna sinfonia do utopismo revolucionário!
John Gray vai, todavia, mais longe. Tentando "situar" a
origem (precisa) da crença no progresso humano inevitável, redescobre Henri de
Saint-Simon, o fundador do Positivismo, e Auguste Comte, o seu discípulo mais
brilhante, que pretendia fundar, a partir do cientismo, uma nova "Religião da
Humanidade". Tanto um como outro viveram fases agudas de loucura e tiveram que
receber tratamento psiquiátrico. Comte, nos dias de maior perturbação mental,
assinava assim o seu nome: "Brutus Napoleon Comte". Tinha uma paixão extrema por
Clothilde, mulher casada, a ponto de declarar, após a morte da senhora, que ela
deveria ser adorada como "Virgem Mãe da Igreja da Humanidade"!
Como Gray salienta, e muito bem, A Igreja Positivista
exerceu uma tremenda influência: foram construídos "Templos da Humanidade" em
Paris, Londres e a bandeira do Brasil incorporou uma frase de Comte - "Ordem e
Progresso".
O Positivismo comteano, segundo Gray, contribuiu para
"identificar o liberalismo com o humanismo laico" (p. 48).
Isso é fantástico, porque nos transporta para um tópico,
decisivo, que muito tem preocupado Olavo de Carvalho
(http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=6644&language=pt) e Heitor
de Paola: o "governo mundial". Trata-se, no fundo, de uma elite "tecnocrática"
que, ancorada em fundações bilionárias, quer desenhar o futuro da humanidade a
partir de uma religião laica e do "progresso" administrado para todos,
abstraindo da história, das culturas locais, das tradições morais e religiosas
(especialmente o Cristianismo) e da realidade profunda do Estado-nação.
O grande objectivo dos Positivistas – durante os séculos
XVIII e XIX - era formar um "Clero" permanente, pela reunião dos "cientistas"
disponíveis.
O conde Saint-Simon chegou a imaginar, explica John Gray,
uma fantástica "assembleia dos 21 eleitos da humanidade", cujo nome seria..."o
Conselho de Newton"!
Será que existe no horizonte (das relações
internacionais...) algo parecido com a sedutora parafernália Positivista?! Quem
souber, responda!
Escrito para o FDR
* Entrando neste link
(http://www.faroldademocracia.org/temas_det.asp?id_tema=6) o leitor terá acesso
a uma vasta informação sobre a temática do "governo mundial" - praticamente
desconhecida em Cabo Verde - e da acção subterrânea de poderosas fundações
bilionárias que caucionam esse processo. Encontrará, pois, "links" e livros
seleccionados sobre esse tema, talvez o mais importante da política
internacional nos dias que correm, com implicações decisivas em variadíssimas
áreas, da bioética ao aquecimento global.
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