BURGO PODRE, POPULISTA À SOLTA
"Filú", lá no espaço sideral onde pontifica, bizarro e sem
limites, é um tratado precioso da natureza humana. Uma "metafísica dos costumes"
bem africana, e eloquente! O cavalheiro, desenganem-se, não é um "chip" qualquer
de Maquiavel. É, sobretudo, um enviado tardio do Marquês de Sade, numa república
onde o abuso é glorificado como orgulho nacional e símbolo irrevogável de
soberania
"Nunca me esqueço de um rosto. Mas, no seu caso, terei o
maior prazer em abrir uma excepção!" – Groucho Marx (1890-1977)
Um dos grandes enigmas do nosso tempo é, salvo erro, este:
três séculos após o surgimento do Iluminismo, e do Governo Representativo,
continuamos a conviver com tiranos, corruptos e demagogos de toda a espécie. É
uma experiência deveras intrigante. Um "gap" civilizacional de proporções
dantescas.
A humanidade vai acumulando um saber cada vez mais
especializado e, no entanto, não consegue desenvencilhar-se, sobretudo nas zonas
mais deprimidas do planeta, de algum lixo humano acumulado, esse material
"radioactivo" que obscurece o conceito de fraternidade e esmaga, sem pudor, a
felicidade dos povos. Todo o conhecimento parece inútil. Ninguém escuta mais um
conselho sábio. Ninguém procura a virtude cívica.
Os bons exemplos são desprezados! A moral é excluída da
ciência do governo! A religião, que antes educava príncipes, já não amacia almas
nem serve de freio ao maquiavelismo dos déspotas de plantão! Tinha razão o
sapientíssimo Jean-François Revel: vivemos, efectivamente, sob o peso da
"Connaissance Inutile". A ética totalitária, corrupta e criminosa, "ab origine",
vai adiando o advento do governo limitado e moderado, sacrificando a consciência
humana no altar da malvadez e da impunidade. O cenário não é apenas trágico. É
tragicómico, de vez que a dignidade humana é humilhada por aqueles que tinham a
obrigação primeira de defendê-la, a avaliar pela retórica dos apóstolos da
"justiça" igualitária.
Acolá, um Robert Mugabe ou o sinistro Fidel Castro,
impávidos no desmando totalitário; aqui, um Felisberto Vieira Lopes (admirador
confesso do ditador cubano, o que já diz muito acerca do carácter desse
cidadão...) e a "entourage" que lhe garante a copiosa arbitrariedade: unidos na
mesma fé política de base, vão lucrando, suavemente, nas malhas do clientelismo,
provando que a astúcia, descontadas as diferenças de escala, é uma arte
universal de empulhação e vícios deploráveis.
Nada parece deter essa gente (?). Nada supera os seus
diabólicos truques e esquemas. Nada, mas nada, supera a sua infinita habilidade
em contornar as regras e os elementos morais que tanto trabalho custaram aos
pioneiros da Civilização.
O mar de lama que caracteriza, diga-se, a errática "gestão"
do dr. Filú (cujos trejeitos mais escabrosos têm sido, aliás, trazidos à luz do
dia pela imprensa) não é, de forma alguma, um simples "caso de polícia". É mais
do que isso.
Convida à reflexão antropológica, e até psicanalítica, a
fim de captar, através do microscópio da introspecção, o epicentro profundo
sobre o qual se ergue a superfície visível do deboche. Não é, nem pode ser, um
exercício fácil...
Nem se diga que o problema se resolve pela intervenção
milagrosa do "Ministério Público". Como, se esse órgão de higiene e profilaxia
não existe em Cabo Verde?! O clamor popular, o mais pungente em toda a história
juspolítica da humanidade, não conseguiu, infelizmente, acordar esse Lázaro
constitucional, que devia, antes de tudo, defender a honra da pátria e os
cânones jurídicos da boa governação. A Santa Aliança entre a truculência de uns
e a cumplicidade de outros falou mais alto. "De Oeste a Leste o vento da
traição", pressentia Miguel Torga. Adiante! Adiante, meus amigos!
"Filú", lá no espaço sideral onde pontifica, bizarro e sem
limites, é um tratado precioso da natureza humana. Uma "metafísica dos costumes"
bem africana, e eloquente! O cavalheiro, desenganem-se, não é um "chip" qualquer
de Maquiavel. É, sobretudo, um enviado tardio do Marquês de Sade, numa república
onde o abuso é glorificado como orgulho nacional e símbolo irrevogável de
soberania.
Um dia, quando a brisa (moral) soprar no meu país, quando a
vergonha passar a fazer parte dos deveres obrigatórios das instituições e das
consciências, gerações mais felizes irão, certamente, estudar e esclarecer, na
sua devida dimensão, este mistério tremendo: a razão pela qual um povo, que se
presume educado, compra um demagogo tão baixo por um preço tão alto!
E dirão, talvez, que o problema não é só da patota que nos
governa...governando-se. A culpa é, em boa medida, do povo, do desleixo
individual, da apatia colectiva, da cidadania que, por vezes, é tímida e
fugidia, diluindo-se num enredo de cobardia e irresponsabilidade.
Antes de ser de índole política, a questão é, pois, de
ordem moral. Falta-nos brio, falta-nos aquele legítimo sentimento de respeito.
Vivemos num "burgo podre", parafraseando William Pitt, estadista liberal que
moralizou o serviço público na Inglaterra do século XVIII. Presumo que as
gerações vindouras não irão compreender, nem perdoar, a nossa incrível
passividade.
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