quarta-feira, 21 de maio de 2008

BURGO PODRE, POPULISTA À SOLTA

"Filú", lá no espaço sideral onde pontifica, bizarro e sem limites, é um tratado precioso da natureza humana. Uma "metafísica dos costumes" bem africana, e eloquente! O cavalheiro, desenganem-se, não é um "chip" qualquer de Maquiavel. É, sobretudo, um enviado tardio do Marquês de Sade, numa república onde o abuso é glorificado como orgulho nacional e símbolo irrevogável de soberania

"Nunca me esqueço de um rosto. Mas, no seu caso, terei o maior prazer em abrir uma excepção!" – Groucho Marx (1890-1977)
Um dos grandes enigmas do nosso tempo é, salvo erro, este: três séculos após o surgimento do Iluminismo, e do Governo Representativo, continuamos a conviver com tiranos, corruptos e demagogos de toda a espécie. É uma experiência deveras intrigante. Um "gap" civilizacional de proporções dantescas.
A humanidade vai acumulando um saber cada vez mais especializado e, no entanto, não consegue desenvencilhar-se, sobretudo nas zonas mais deprimidas do planeta, de algum lixo humano acumulado, esse material "radioactivo" que obscurece o conceito de fraternidade e esmaga, sem pudor, a felicidade dos povos. Todo o conhecimento parece inútil. Ninguém escuta mais um conselho sábio. Ninguém procura a virtude cívica.
Os bons exemplos são desprezados! A moral é excluída da ciência do governo! A religião, que antes educava príncipes, já não amacia almas nem serve de freio ao maquiavelismo dos déspotas de plantão! Tinha razão o sapientíssimo Jean-François Revel: vivemos, efectivamente, sob o peso da "Connaissance Inutile". A ética totalitária, corrupta e criminosa, "ab origine", vai adiando o advento do governo limitado e moderado, sacrificando a consciência humana no altar da malvadez e da impunidade. O cenário não é apenas trágico. É tragicómico, de vez que a dignidade humana é humilhada por aqueles que tinham a obrigação primeira de defendê-la, a avaliar pela retórica dos apóstolos da "justiça" igualitária.
Acolá, um Robert Mugabe ou o sinistro Fidel Castro, impávidos no desmando totalitário; aqui, um Felisberto Vieira Lopes (admirador confesso do ditador cubano, o que já diz muito acerca do carácter desse cidadão...) e a "entourage" que lhe garante a copiosa arbitrariedade: unidos na mesma fé política de base, vão lucrando, suavemente, nas malhas do clientelismo, provando que a astúcia, descontadas as diferenças de escala, é uma arte universal de empulhação e vícios deploráveis.
Nada parece deter essa gente (?). Nada supera os seus diabólicos truques e esquemas. Nada, mas nada, supera a sua infinita habilidade em contornar as regras e os elementos morais que tanto trabalho custaram aos pioneiros da Civilização.
O mar de lama que caracteriza, diga-se, a errática "gestão" do dr. Filú (cujos trejeitos mais escabrosos têm sido, aliás, trazidos à luz do dia pela imprensa) não é, de forma alguma, um simples "caso de polícia". É mais do que isso.
Convida à reflexão antropológica, e até psicanalítica, a fim de captar, através do microscópio da introspecção, o epicentro profundo sobre o qual se ergue a superfície visível do deboche. Não é, nem pode ser, um exercício fácil...
Nem se diga que o problema se resolve pela intervenção milagrosa do "Ministério Público". Como, se esse órgão de higiene e profilaxia não existe em Cabo Verde?! O clamor popular, o mais pungente em toda a história juspolítica da humanidade, não conseguiu, infelizmente, acordar esse Lázaro constitucional, que devia, antes de tudo, defender a honra da pátria e os cânones jurídicos da boa governação. A Santa Aliança entre a truculência de uns e a cumplicidade de outros falou mais alto. "De Oeste a Leste o vento da traição", pressentia Miguel Torga. Adiante! Adiante, meus amigos!
"Filú", lá no espaço sideral onde pontifica, bizarro e sem limites, é um tratado precioso da natureza humana. Uma "metafísica dos costumes" bem africana, e eloquente! O cavalheiro, desenganem-se, não é um "chip" qualquer de Maquiavel. É, sobretudo, um enviado tardio do Marquês de Sade, numa república onde o abuso é glorificado como orgulho nacional e símbolo irrevogável de soberania.
Um dia, quando a brisa (moral) soprar no meu país, quando a vergonha passar a fazer parte dos deveres obrigatórios das instituições e das consciências, gerações mais felizes irão, certamente, estudar e esclarecer, na sua devida dimensão, este mistério tremendo: a razão pela qual um povo, que se presume educado, compra um demagogo tão baixo por um preço tão alto!
E dirão, talvez, que o problema não é só da patota que nos governa...governando-se. A culpa é, em boa medida, do povo, do desleixo individual, da apatia colectiva, da cidadania que, por vezes, é tímida e fugidia, diluindo-se num enredo de cobardia e irresponsabilidade.
Antes de ser de índole política, a questão é, pois, de ordem moral. Falta-nos brio, falta-nos aquele legítimo sentimento de respeito. Vivemos num "burgo podre", parafraseando William Pitt, estadista liberal que moralizou o serviço público na Inglaterra do século XVIII. Presumo que as gerações vindouras não irão compreender, nem perdoar, a nossa incrível passividade.

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Jurista e Docente Universitário

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