VIAGENS NA MINHA TERRA: ENTRE A TRADIÇÃO AUTORITÁRIA E O PATRIOTISMO CÍVICO
"Filú", irritado com as denúncias de corrupção, puxou da
cartola o jargão infeliz da "marca", tentando impor-se, num ambiente plural, em
que impera necessariamente a escolha individual, como "a marca da Praia"! Mas a
tirada mais deliciosa desta campanha veio do Barlavento, com a agitada dra.
Vanda Évora, qual D. Quixote de saias!, a oferecer-se para "ajudar" o Ministério
Público (MP) na luta contra o nepotismo!
A política é uma arte complexa. É um tratado dos costumes
[1], uma verdadeira enciclopédia da condição humana. Aristóteles, há cerca de
2500 anos atrás, deu-se conta disso, ao comparar constituições de diferentes
paragens do mundo antigo.
A base da política não é o Estado: é a imagem do Homem. A
"politeia" é a forma possível da regulação dos conflitos. Por vezes, atinge uma
dimensão dramática. Foi isso, suponho, que levou um Clausewitz a declarar que "A
guerra é a continuação da política por outros meios". Mas essa é a forma
patológica da política; o lado obscuro da nossa imperfeição moral.
Em situações normais, a política é a arte da emancipação.
Procura estabelecer a paz, a ordem, a justiça e a prosperidade. A política, na
sua verdadeira matriz epistémica, é o lado bom da natureza humana. Não busca a
perfeição, mas o "bem comum", pela preservação da liberdade e da cidadania.
O seu terreno de eleição é, desde o célebre pacto de
Westefália (1648), o Estado-nação, mas pode haver muita política abaixo e acima
do Estado. A ONU, com a sua tentativa de estabelecer um "governo mundial",
regido por decretos "politicamente correctos", é um exemplo da política acima do
Estado. Da apologia do aborto à defesa dos biocombustíveis (uma das causas,
aliás, da actual subida do preço internacional dos cereais – ver este link: http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=6525&language=pt),
não há praticamente nenhum aspecto que escape, nos dias de hoje, à sanha
uniformizadora dos burocratas iluminados das Nações Unidas. Sentados nos
gabinetes da UNESCO ou do PNUD, eles traçam, com uma certeza inabalável, o
destino dos povos e definem o melhor para a felicidade universal, definindo, com
alguma nostalgia messiânica à mistura, os "objectivos do milénio".
A política municipal, ora em destaque no meu país, por
causa das eleições do próximo Domingo, é, por sua vez, um bom exemplo da
política infra-estadual. Possui, igualmente, os seus actores e figurinos, os
seus rituais, o seu simbolismo particular. E diz muito acerca da mentalidade
dominante. Os circunstantes deixam, por vezes, algumas "frases-chave" que
simbolizam todo um programa, exteriorizando um estilo e um
pensamento.
"Filú", irritado com as denúncias de corrupção, puxou da
cartola o jargão infeliz da "marca", tentando impor-se, num ambiente plural, em
que impera necessariamente a escolha individual, como "a marca da Praia"! Mas a
tirada mais deliciosa desta campanha veio do Barlavento, com a agitada dra.
Vanda Évora, qual D. Quixote de saias!, a oferecer-se para "ajudar" o Ministério
Público (MP) na luta contra o nepotismo!
A coisa é bastante interessante por três motivos
principais:
1) A dra. Vanda Évora, com o seu "juridismo" castiço, deve
ser a única advogada no activo que não percebeu, ou não quis perceber, esta
verdade elementar: o MP não existe em Cabo Verde. Sabe porquê? Não sabe, minha
senhora? Então, vou-lhe explicar, com calma. Veja bem, se o MP existisse, alguns
governantes da nossa terra já estariam na cadeia. A senhora, por certo, não
ignora que o actual Governo protege, pelo menos, um falsificador de atestados
médicos, um Primeiro-Ministro que fez propaganda eleitoral criminosa (e nunca
foi julgado) e, para variar, um Ministro das infra-estruturas envolvido num
conflito de interesses; ou a dra. Vanda está a navegar no mar alto da hipocrisia
ou, com todo o seu formidável "legalês", esqueceu-se da coerência e da igualdade
perante a lei.
2) A "questão da terra". Neste assunto, a dra. Vanda segue
as pisadas do habilidoso Onésimo Silveira. O problema é que, como alertava o
outro (Jean-François Revel), "muitos que dão lições não têm exemplos para
apresentar". Secundar Onésimo na política é, no mínimo, uma empresa arriscada.
Como nos versos de Dante ("Tu és o meu guia, o meu senhor e o meu mestre"),
trata-se de escolher uma má companhia na inevitável descida aos Infernos. A
encenação da ilustre advogada é, pois, deprimente...
3) Invocar a independência nacional na questão da venda dos
terrenos é um mau argumento. A terra não é um fim em si mesmo, é apenas um meio.
O mais importante é a nossa liberdade, a transparência na gestão da "res
publica" e o primado da justiça. É este o cerne do chamado "patriotismo cívico".
Se os municípios adoptarem uma boa política de Ordenamento do Território (PDM,
etc.), haverá, com certeza, terrenos para os cidadãos cabo-verdianos e para o
investimento externo, essencial para a criação de riqueza e de novos empregos.
São Vicente precisa de atrair empresas e investimentos. Com isso, a dra. Vanda
terá mais "consultoria jurídica" e os jovens mais empregos à sua disposição.
Todos sairão a ganhar, excepto a xenofobia.
Casimiro de Pina – casypina@hotmail.com
[1] A análise dos costumes deve constituir um ponto de
honra dos Estudos Políticos. Há uma riquíssima tradição intelectual que se
ocupou desse capítulo, muitas vezes negligenciado na prática. Montesquieu, com
as suas "Cartas Persas", notabilizou-se nesse domínio, assim como Alexis de
Tocqueville, que escreveu, no século XIX, essa obra monumental que é "Da
Democracia na América".
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