REPÚBLICA OU “APANÁGIO”?
O Primeiro-Ministro disse que iria “resolver” o problema.
Pois mentiu!
Disse, em Assomada, que os preços iriam baixar. Faltou à
verdade, os preços subiram. Os “apagões” continuam e a Electra está à beira de
uma crise, como confessou, numa entrevista recente, o novo “big boss” da
empresa. Seis anos depois (2001-2007), o inefável dr. José Maria Neves, demagogo
incansável e apreciador de Maquiavel, volta a agitar a bandeira do “amor” e do
“patriotismo”: o mesmo discurso, as mesmas promessas, a mesma inutilidade, pois
os resultados, tão aguardados, nunca aparecem. Quem paga as favas? O povo.
Alguém disse um dia: “A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o
povo”. A governação do PAICV é a melhor prova de que essa sentença é um
absurdo!
1. UMA AUTÊNTICA BANDALHEIRA, UMA REDE DE FAVORES E
BENEFÍCIOS MÚTUOS
Na passada Segunda-Feira, houve um debate, na Assembleia
Nacional, sobre o estado da comunicação social. Já se sabe que este sector,
crucial para o sistema democrático, não vai bem, mas o Governo, na sua cápsula
de demagogia, garantiu que as coisas têm “melhorado” bastante. My dog! Cabo
Verde, em 2006, desceu 16 lugares no ranking dos Repórteres Sem Fronteiras e, no
entanto, a situação...“melhorou”!!! Das duas uma: ou essa malta julga que o povo
cabo-verdiano é parvo, de todo, ou a lógica é uma batata. De qualquer modo, é
evidente que os homens do sistema preferem a batota, fazendo tábua rasa dos
dados disponíveis e da realidade. A dr.ª Sara Lopes, moça tão gira, não se
credibiliza com isso, antes pelo contrário. O que ela fez, por outro lado, no
pseudoconcurso dos canais de televisão, processo obscuro e com laivos de
nepotismo, é de uma gravidade que espanta qualquer observador atento.
Felizmente, num intervalo de lucidez, teve o “deslize” de dizer a verdade, no
Parlamento, revelando, por inteiro, o alcance de uma tramóia que envergonha os
seus autores e a própria nação. Sara, saravá!, que não é parva, sabe o caminho a
tomar numa situação dessas: a demissão. Não há outra saída, num Estado
democrático civilizado. Ou sai, ou o país desce. Ainda mais...
Se, num lance de truculência corporativa, ela fizer o
inesperado, ensaiando uma “fuga em frente”, em jeito de golpe palaciano,
manchando, enfim, o nome de Cabo Verde, saberemos o que pensar da vociferante
senhora. Governar é uma questão de honra e não se compagina com condutas
obscuras que enfraquecem a dignidade do cargo. A Ministra devia saber que um
concurso público é um assunto sério, vinculado aos princípios constitucionais e
às indispensáveis regras legais.
Não pode inventar uma “grelha” após o relatório do júri.
Vale a pena lembrar, aqui, uma distinção importante, neste país dos
“distraídos”. Cabo Verde é uma República, com uma Constituição e com regras de
transparência. Para cumprir. Não somos nenhum “apanágio”, território
independente pertencente, na Rússia medieval (séc. XIII-XV), a uma determinada
aristocracia. Em Cabo Verde todos são iguais perante a lei. Apesar das
tentações, a República é um valor que devemos preservar.
O PAICV, todavia, continua a não compreender a questão dos
conflitos de interesses (ver, sobre o tema, Humberto Cardoso: www.emcima.blogspot.com/2006_11_01_archive.html), mantendo um
elemento da sua Direcção Nacional à frente da RTC, que tutela a rádio e a
televisão. O Ministro das Infra-estruturas tem interesses numa empresa de
fiscalização de obras e o seu Director-Geral possui, também, uma empresa que
opera no mesmo sector. É uma autêntica bandalheira, uma rede de favores e
benefícios mútuos, assente na confusão entre a esfera pública e a esfera
privada. Parece que essa gente tem uma certa dificuldade em distinguir as duas
esferas! O curioso é que a imprensa cabo-verdiana, num silêncio cúmplice e
vergonhoso, desistiu de referenciar, quanto mais denunciar, esses casos. É um
caminho perigoso, que só estimula a corrupção. Um outro aspecto preocupante é a
ausência de “accountability”. O Governo foge à fiscalização dos seus actos. A
Ministra Sara Lopes recusou-se a entregar o relatório do seu famoso “concurso”.
O Ministro Manuel Inocêncio não deu os esclarecimentos acerca dos milhões de
dólares que recebeu de Angola. É uma governação decadente, apostada na opacidade
como suprema virtude administrativa. Ninguém quer saber dos atestados médicos
falsos, dos concursos viciados, dos conflitos de interesses, da fraude
eleitoral, do relatório do Banco Mundial sobre a corrupção ou da queda de Cabo
Verde no índice de Desenvolvimento Humano. É tudo muito sossegado. Tudo muito
obediente e clientelista. A propósito da falta de transparência, cite-se o
gravíssimo caso da Câmara Municipal da Praia. O edil, Felisberto Vieira (vulgo
“Filú”), recusa-se a entregar a lista das muitas licenças de táxi atribuídas. Há
quem diga que, entre os beneficiários, estão filhos de Ministros e outros
amiguinhos/apaniguados do “Filú”. Ninguém conhece os critérios. Ninguém tem
acesso aos processos. “Filú”, firme no seu apanágio, no sentido medieval da
expressão, não entrega a lista. E pronto! A população não se manifesta. A
imprensa não questiona. As ONGs pairam no vazio de uma retórica piedosa. O
“poder” judicial, criminoso, assobia para o lado... Que país é este? Meu Deus,
que nação é esta? Nos Estados Unidos ou na Suécia, em qualquer país a sério, um
simples cidadão tem direito às informações que quiser, sobre qualquer assunto
relevante da vida pública. É a cidadania democrática. Ou será que uma simples
lista de licenças de táxi é “segredo de Estado”, que põe em causa, se
publicitada, a segurança nacional? As pessoas não se importam. É tudo muito
misterioso, tudo muito bem “abafado” pela guarda pretoriana do regime. Ocorre-me
uma imagem: “bandido estacionário”. Mancur Olson, cientista político, cunhou
esta deliciosa expressão, e quem quiser enfie a carapuça...
2. POLÍTICA ENERGÉTICA – O PRIMEIRO-MINISTRO DISSE QUE IRIA
“RESOLVER” O PROBLEMA. POIS MENTIU
A política energética foi, também, tratada no debate atrás
mencionado. Um outro tema em destaque, claramente. Desde 2001, o Governo tem
falado muito, debitando um notável rol de promessas. Todavia: não cumpriu. Fez
um barulho extraordinário, cunhou uma liturgia estatizante, mas tudo ficou na
mesma. Ou pior... No meio de mil vivas, dos seus amáveis seguidores e camaradas,
“resgatou” a Electra, na base de uma cartilha nacionalisteira. Alimentou
expectativas, e reacendeu o mito de D. Sebastião, o salvador, corajoso e
sublime, que regressa num dia qualquer, num nevoeiro qualquer!
O facto é que o actual Governo, convencido e desatento
relativamente à História (mestre e conselheira), embarcou num carrocel de
enganos. E nos enganou a todos. Não percebeu, nem percebe, que estamos na era da
globalização e que a economia não funciona com aquela “receita” estapafúrdia que
Karl Marx pensou em 1848. É preciso ler o mundo, e saber como as coisas
funcionam. O PAICV assinou o Contrato de Concessão com a EDP. Assumiu, por essa
via, compromissos e obrigações, mas hoje, num gesto mui estranho e
irresponsável, diz que não tem “nada a ver” com o assunto! O Primeiro-Ministro
disse que iria “resolver” o problema. Pois mentiu!
Disse, em Assomada, que os preços iriam baixar. Faltou à
verdade, os preços subiram. Os “apagões” continuam e a Electra está à beira de
uma crise, como confessou, numa entrevista recente, o novo “big boss” da
empresa. Seis anos depois (2001-2007), o inefável dr. José Maria Neves, demagogo
incansável e apreciador de Maquiavel, volta a agitar a bandeira do “amor” e do
“patriotismo”: o mesmo discurso, as mesmas promessas, a mesma inutilidade, pois
os resultados, tão aguardados, nunca aparecem. Quem paga as favas? O povo.
Alguém disse um dia: “A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o
povo”. A governação do PAICV é a melhor prova de que essa sentença é um
absurdo!
3. O PAICV ESTÁ ACIMA DA CONSTITUIÇÃO. É A BALANÇA, O
EQUILÍBRIO DA NAÇÃO
O PAICV continua a ser o espelho fiel do socialismo
totalitário. Exagero? Só para aqueles que não ouviram o dr. José Maria Neves, o
digníssimo chefão, no último congresso do PAICV. “O PAICV, partido da
independência, é o depositário das liberdades e dos direitos”. São palavras que
Lenine, Mao Tsé Tung ou Fidel Castro subscreveriam sem problemas. O Partido está
no centro. Está acima da Constituição. É a balança, o equilíbrio da Nação. E é,
naturalmente, “o depositário das liberdades”, legado que recebeu, está claro, da
fada-madrinha revolucionária, no cumprimento de uma ordem divina emitida pelo
santo Marx! No discurso do “13 de Janeiro” o cavalheiro deixou escapar outras
frases totalitárias. Tem sido, aliás, bastante recorrente. É essa tralha
ideológica que, muitas vezes, atrapalha a actual governação. Sobretudo na
economia. O PAICV, como no caso da Electra, promete “amanhãs que cantam”; isto
na primeiríssima fase do campeonato. Quando as coisas não se concretizam,
procura, célere que nem uma lebre, o “culpado”. Surpresa: é o MpD! O “culpado” é
esse partido, que afinal não é partido, mas sim um grupo de conspiradores e
inimigos da pátria! O PAICV, fiel às suas origens, passa, à velocidade da luz,
do triunfalismo retórico à indignação virtuosa. Não percebe o “facto do
pluralismo” de que falava John Rawls nem concebe o papel constitucional,
legítimo, da oposição democrática, cuja função é, antes do mais, fiscalizar a
acção do Governo. É por isso que barafusta, e exibe a bandeira nacionalista,
sempre que é confrontado com as suas promessas não cumpridas. Bem ou mal, o MpD
governou este país. O PAICV governa-se. Eis o seu apanágio, ciente de que está
acima das leis e da Constituição. É preciso compreender o mundo, e ser menos
chauvinista. Cerca de ¼ do PIB de Cabo Verde provém da nossa diáspora. Ou seja:
da globalização, graças à liberdade de circulação e ao mercado de trabalho dos
países do Ocidente. Muitos não percebem isso. Adoptar o nacionalismo económico
não é boa política.
O nacionalismo económico é o resquício do velho
mercantilismo do século XVII, cujo objectivo é encher o Estado de glória e
riqueza, estigmatizando o capital estrangeiro, no meio de uma cultura retrógada,
desconfiada e patrimonialista. Cabo Verde deve seguir as boas práticas. O caso
da Irlanda, por exemplo. A Irlanda fez as reformas necessárias, sobretudo na
área fiscal. A sua taxa de imposto sobre o rendimento das empresas: 10%. Apenas.
Mesmo assim, é uma nação rica e estável, contrariando os preconceitos
mercantilistas e a falácia socialista. Para o PAICV o Estado é um cofre, ora
“vazio”, ora “cheio”. É uma concepção primitiva, factor do atraso
colectivo.
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