sexta-feira, 30 de março de 2007

REPÚBLICA OU “APANÁGIO”?

O Primeiro-Ministro disse que iria “resolver” o problema. Pois mentiu!
Disse, em Assomada, que os preços iriam baixar. Faltou à verdade, os preços subiram. Os “apagões” continuam e a Electra está à beira de uma crise, como confessou, numa entrevista recente, o novo “big boss” da empresa. Seis anos depois (2001-2007), o inefável dr. José Maria Neves, demagogo incansável e apreciador de Maquiavel, volta a agitar a bandeira do “amor” e do “patriotismo”: o mesmo discurso, as mesmas promessas, a mesma inutilidade, pois os resultados, tão aguardados, nunca aparecem. Quem paga as favas? O povo. Alguém disse um dia: “A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”. A governação do PAICV é a melhor prova de que essa sentença é um absurdo!

1. UMA AUTÊNTICA BANDALHEIRA, UMA REDE DE FAVORES E BENEFÍCIOS MÚTUOS
Na passada Segunda-Feira, houve um debate, na Assembleia Nacional, sobre o estado da comunicação social. Já se sabe que este sector, crucial para o sistema democrático, não vai bem, mas o Governo, na sua cápsula de demagogia, garantiu que as coisas têm “melhorado” bastante. My dog! Cabo Verde, em 2006, desceu 16 lugares no ranking dos Repórteres Sem Fronteiras e, no entanto, a situação...“melhorou”!!! Das duas uma: ou essa malta julga que o povo cabo-verdiano é parvo, de todo, ou a lógica é uma batata. De qualquer modo, é evidente que os homens do sistema preferem a batota, fazendo tábua rasa dos dados disponíveis e da realidade. A dr.ª Sara Lopes, moça tão gira, não se credibiliza com isso, antes pelo contrário. O que ela fez, por outro lado, no pseudoconcurso dos canais de televisão, processo obscuro e com laivos de nepotismo, é de uma gravidade que espanta qualquer observador atento. Felizmente, num intervalo de lucidez, teve o “deslize” de dizer a verdade, no Parlamento, revelando, por inteiro, o alcance de uma tramóia que envergonha os seus autores e a própria nação. Sara, saravá!, que não é parva, sabe o caminho a tomar numa situação dessas: a demissão. Não há outra saída, num Estado democrático civilizado. Ou sai, ou o país desce. Ainda mais...
Se, num lance de truculência corporativa, ela fizer o inesperado, ensaiando uma “fuga em frente”, em jeito de golpe palaciano, manchando, enfim, o nome de Cabo Verde, saberemos o que pensar da vociferante senhora. Governar é uma questão de honra e não se compagina com condutas obscuras que enfraquecem a dignidade do cargo. A Ministra devia saber que um concurso público é um assunto sério, vinculado aos princípios constitucionais e às indispensáveis regras legais.
Não pode inventar uma “grelha” após o relatório do júri. Vale a pena lembrar, aqui, uma distinção importante, neste país dos “distraídos”. Cabo Verde é uma República, com uma Constituição e com regras de transparência. Para cumprir. Não somos nenhum “apanágio”, território independente pertencente, na Rússia medieval (séc. XIII-XV), a uma determinada aristocracia. Em Cabo Verde todos são iguais perante a lei. Apesar das tentações, a República é um valor que devemos preservar.
O PAICV, todavia, continua a não compreender a questão dos conflitos de interesses (ver, sobre o tema, Humberto Cardoso: www.emcima.blogspot.com/2006_11_01_archive.html), mantendo um elemento da sua Direcção Nacional à frente da RTC, que tutela a rádio e a televisão. O Ministro das Infra-estruturas tem interesses numa empresa de fiscalização de obras e o seu Director-Geral possui, também, uma empresa que opera no mesmo sector. É uma autêntica bandalheira, uma rede de favores e benefícios mútuos, assente na confusão entre a esfera pública e a esfera privada. Parece que essa gente tem uma certa dificuldade em distinguir as duas esferas! O curioso é que a imprensa cabo-verdiana, num silêncio cúmplice e vergonhoso, desistiu de referenciar, quanto mais denunciar, esses casos. É um caminho perigoso, que só estimula a corrupção. Um outro aspecto preocupante é a ausência de “accountability”. O Governo foge à fiscalização dos seus actos. A Ministra Sara Lopes recusou-se a entregar o relatório do seu famoso “concurso”. O Ministro Manuel Inocêncio não deu os esclarecimentos acerca dos milhões de dólares que recebeu de Angola. É uma governação decadente, apostada na opacidade como suprema virtude administrativa. Ninguém quer saber dos atestados médicos falsos, dos concursos viciados, dos conflitos de interesses, da fraude eleitoral, do relatório do Banco Mundial sobre a corrupção ou da queda de Cabo Verde no índice de Desenvolvimento Humano. É tudo muito sossegado. Tudo muito obediente e clientelista. A propósito da falta de transparência, cite-se o gravíssimo caso da Câmara Municipal da Praia. O edil, Felisberto Vieira (vulgo “Filú”), recusa-se a entregar a lista das muitas licenças de táxi atribuídas. Há quem diga que, entre os beneficiários, estão filhos de Ministros e outros amiguinhos/apaniguados do “Filú”. Ninguém conhece os critérios. Ninguém tem acesso aos processos. “Filú”, firme no seu apanágio, no sentido medieval da expressão, não entrega a lista. E pronto! A população não se manifesta. A imprensa não questiona. As ONGs pairam no vazio de uma retórica piedosa. O “poder” judicial, criminoso, assobia para o lado... Que país é este? Meu Deus, que nação é esta? Nos Estados Unidos ou na Suécia, em qualquer país a sério, um simples cidadão tem direito às informações que quiser, sobre qualquer assunto relevante da vida pública. É a cidadania democrática. Ou será que uma simples lista de licenças de táxi é “segredo de Estado”, que põe em causa, se publicitada, a segurança nacional? As pessoas não se importam. É tudo muito misterioso, tudo muito bem “abafado” pela guarda pretoriana do regime. Ocorre-me uma imagem: “bandido estacionário”. Mancur Olson, cientista político, cunhou esta deliciosa expressão, e quem quiser enfie a carapuça...
2. POLÍTICA ENERGÉTICA – O PRIMEIRO-MINISTRO DISSE QUE IRIA “RESOLVER” O PROBLEMA. POIS MENTIU
A política energética foi, também, tratada no debate atrás mencionado. Um outro tema em destaque, claramente. Desde 2001, o Governo tem falado muito, debitando um notável rol de promessas. Todavia: não cumpriu. Fez um barulho extraordinário, cunhou uma liturgia estatizante, mas tudo ficou na mesma. Ou pior... No meio de mil vivas, dos seus amáveis seguidores e camaradas, “resgatou” a Electra, na base de uma cartilha nacionalisteira. Alimentou expectativas, e reacendeu o mito de D. Sebastião, o salvador, corajoso e sublime, que regressa num dia qualquer, num nevoeiro qualquer!
O facto é que o actual Governo, convencido e desatento relativamente à História (mestre e conselheira), embarcou num carrocel de enganos. E nos enganou a todos. Não percebeu, nem percebe, que estamos na era da globalização e que a economia não funciona com aquela “receita” estapafúrdia que Karl Marx pensou em 1848. É preciso ler o mundo, e saber como as coisas funcionam. O PAICV assinou o Contrato de Concessão com a EDP. Assumiu, por essa via, compromissos e obrigações, mas hoje, num gesto mui estranho e irresponsável, diz que não tem “nada a ver” com o assunto! O Primeiro-Ministro disse que iria “resolver” o problema. Pois mentiu!
Disse, em Assomada, que os preços iriam baixar. Faltou à verdade, os preços subiram. Os “apagões” continuam e a Electra está à beira de uma crise, como confessou, numa entrevista recente, o novo “big boss” da empresa. Seis anos depois (2001-2007), o inefável dr. José Maria Neves, demagogo incansável e apreciador de Maquiavel, volta a agitar a bandeira do “amor” e do “patriotismo”: o mesmo discurso, as mesmas promessas, a mesma inutilidade, pois os resultados, tão aguardados, nunca aparecem. Quem paga as favas? O povo. Alguém disse um dia: “A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”. A governação do PAICV é a melhor prova de que essa sentença é um absurdo!
3. O PAICV ESTÁ ACIMA DA CONSTITUIÇÃO. É A BALANÇA, O EQUILÍBRIO DA NAÇÃO
O PAICV continua a ser o espelho fiel do socialismo totalitário. Exagero? Só para aqueles que não ouviram o dr. José Maria Neves, o digníssimo chefão, no último congresso do PAICV. “O PAICV, partido da independência, é o depositário das liberdades e dos direitos”. São palavras que Lenine, Mao Tsé Tung ou Fidel Castro subscreveriam sem problemas. O Partido está no centro. Está acima da Constituição. É a balança, o equilíbrio da Nação. E é, naturalmente, “o depositário das liberdades”, legado que recebeu, está claro, da fada-madrinha revolucionária, no cumprimento de uma ordem divina emitida pelo santo Marx! No discurso do “13 de Janeiro” o cavalheiro deixou escapar outras frases totalitárias. Tem sido, aliás, bastante recorrente. É essa tralha ideológica que, muitas vezes, atrapalha a actual governação. Sobretudo na economia. O PAICV, como no caso da Electra, promete “amanhãs que cantam”; isto na primeiríssima fase do campeonato. Quando as coisas não se concretizam, procura, célere que nem uma lebre, o “culpado”. Surpresa: é o MpD! O “culpado” é esse partido, que afinal não é partido, mas sim um grupo de conspiradores e inimigos da pátria! O PAICV, fiel às suas origens, passa, à velocidade da luz, do triunfalismo retórico à indignação virtuosa. Não percebe o “facto do pluralismo” de que falava John Rawls nem concebe o papel constitucional, legítimo, da oposição democrática, cuja função é, antes do mais, fiscalizar a acção do Governo. É por isso que barafusta, e exibe a bandeira nacionalista, sempre que é confrontado com as suas promessas não cumpridas. Bem ou mal, o MpD governou este país. O PAICV governa-se. Eis o seu apanágio, ciente de que está acima das leis e da Constituição. É preciso compreender o mundo, e ser menos chauvinista. Cerca de ¼ do PIB de Cabo Verde provém da nossa diáspora. Ou seja: da globalização, graças à liberdade de circulação e ao mercado de trabalho dos países do Ocidente. Muitos não percebem isso. Adoptar o nacionalismo económico não é boa política.
O nacionalismo económico é o resquício do velho mercantilismo do século XVII, cujo objectivo é encher o Estado de glória e riqueza, estigmatizando o capital estrangeiro, no meio de uma cultura retrógada, desconfiada e patrimonialista. Cabo Verde deve seguir as boas práticas. O caso da Irlanda, por exemplo. A Irlanda fez as reformas necessárias, sobretudo na área fiscal. A sua taxa de imposto sobre o rendimento das empresas: 10%. Apenas. Mesmo assim, é uma nação rica e estável, contrariando os preconceitos mercantilistas e a falácia socialista. Para o PAICV o Estado é um cofre, ora “vazio”, ora “cheio”. É uma concepção primitiva, factor do atraso colectivo.

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Jurista e Docente Universitário

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