domingo, 13 de abril de 2008

A MORAL POSTIÇA DE JOSÉ MARIA NEVES

José Maria Neves, assim agindo, não desafiou apenas o primado da lei e o Estado de direito: transformou Cabo Verde numa vulgar "banana republic", em que o crime passa a ser um meio privilegiado para se ganhar o pleito eleitoral e promover o "superior interesse" da casta dominante. O senhor Mugabe ganhou, sem que ninguém suspeitasse, um formidável discípulo...
 

O "governo" de José Maria Neves resolveu agir judicialmente contra Jorge Santos, líder da oposição em Cabo Verde. Eis a notícia, a parangona dos jornais! Até aqui, nada de novo. O processo é a forma civilizada de resolver contendas num Estado democrático. O problema começa quando se analisa o conteúdo da pretensão do circo governamental. O problema não é tanto o discurso oficial: é o misterio não revelado pelo linguajar dos circunstantes. O que move, afinal, José Maria Neves? A ética? A transparência? A lisura na gestão da "res publica"? Vejamos...
"Ética" não é com certeza, porque este (des)governo é o mesmo que, por artes e feitiços de um sincero maquiavelismo, conserva, no seu seio, um insigne falsificador de atestados médicos, com contas por prestar à Justiça. Ora, um Governo (com maiúscula) digno desse nome não pode funcionar como "branqueador" institucional de criminosos de colarinho branco...
"Transparência" também não é, com toda a certeza. Sobretudo a partir do momento em que a nação cabo-verdiana, atónita, tomou conhecimento da pouca-vergonha que é ter um Ministro das Infra-Estruturas com interesses numa empresa que ("por acaso") participa nos concursos promovidos pela nomenklatura. O que resta? "Lisura", meu bem? Duvido. E tenho sérios motivos para tal, pelo menos desde o triste momento em que o Primeiro-Ministro (em Janeiro de 2006, recorde-se) fez, nas antenas da RCV, propaganda eleitoral ilícita, um crime previsto e punido pela lei cabo-verdiana, sem sofrer, no entanto, quaisquer consequências pelo execrável facto.
José Maria Neves, assim agindo, não desafiou apenas o primado da lei e o Estado de direito: transformou Cabo Verde numa vulgar "banana republic", em que o crime passa a ser um meio privilegiado para se ganhar o pleito eleitoral e promover o "superior interesse" da casta dominante. O senhor Mugabe ganhou, sem que ninguém suspeitasse, um formidável discípulo...
Eu poderia apontar (e já os apontei, aliás, noutros textos de opinião) vários outros exemplos, desde o "saco azul" no Ministério da Justiça à subversão da ordem constitucional promovida pelo Sector Urbano da Praia do PAICV, o qual, numa escandalosa inversão de valores, se permite dar ordens ao próprio Governo, órgão de soberania que dirige, ou deve dirigir, a Administração Pública.
O Banco Mundial, num relatório publicado em 2006, chamou a atenção para o aumento da corrupção em Cabo Verde. Que tal intentar uma acção judicial "ad hoc" contra essa instituição de Bretton Woods?!
A governação de José Maria Neves é, pois, uma sucessão de trapalhadas, embustes e desconversa, em que resquícios do partido-Estado se misturam, às mil maravilhas, com uma falsa e autoritária retórica de "modernização".
A própria conversinha de José Neves, inaugurada aí por volta de 2000/2001, do "partido que vai resgatar a ética" esconde, como avisei num artigo pretérito, a natureza totalitária profunda do PAICV. O "partido ético" é, na realidade, uma linguagem CODIFICADA, com um significado preciso. Faz parte, desde Antonio Gramsci, do vocabulário comunista especializado. Como ninguém, na altura, se deu ao trabalho de rastrear a sua origem filosófica, a coisa entrou no "senso comum" de mansinho, como verdade definitiva. Foi, salvo erro, mais um daqueles casos em que a ignorância histórica produz, em surdina, políticas desastrosas. Acontece e vai continuar a acontecer: o bem-comum sucumbe por causa da inépcia das elites. O que o mesmo é dizer: a falta de vigilância dos homens de boa vontade é a causa principal da desgraça das nações.
A "ética" foi apenas, num contexto marcado por alguma ansiedade popular, a bandeira de que o PAICV precisava para apagar, se possível, os crimes e as vilanias do Partido Único e recompor-se como um partido "moderno" e fabuloso.
Hoje, todavia, vemos os resultados dessa "ética" maravilhosa: emparelhamento da Administração Pública, negociatas de toda a ordem, promovidas pelo poder e pelos gentis kamaradas, fuga à Justiça e ao primado da lei, conflitos de interesse no seio do "governo", nepotismos vários, controlo quase absoluto da comunicação social do Estado, arregimentação de consciências, no fragor do assistencialismo, fragilização sistemática do poder local e promoção descarada da fraude eleitoral (caso da Covoada, como resulta, aliás, da confissão de um dos condenados; e a manutenção, num consulado do além-mar, de uma poderosa "madame" que inscreveu pessoas fora do prazo no caderno eleitoral – crime, sublinhe-se, previsto e punido pela lei em vigor).
Para o PAICV, a "ética" é apenas um mantra. Uma forma de propaganda, um símbolo epidérmico, um engodo, uma táctica eleitoral engenhosa. Jamais uma forma autêntica de estar, ou um estilo existencial consciente e assumido. A "ética", para os partidos dessa matriz ideologica, é ainda uma forma calculada, e precisa, de "degradação venerável", para usarmos uma expressão do grande e influente Olavo de Carvalho. O texto deste pensador de fama internacional foi publicado no Jornal do Brasil, no dia 10 de Abril p.p. (e está disponível em: www.olavodecarvalho.org/semana/080410jb.html).
O último parágrafo, tão delicioso e notável, parece ajustar-se à realidade de Cabo Verde, tal é a hipocrisia que domina o nosso sombrio cenário político, esta "neveslândia" perfumada pelo sabor inconfundivel do "rent-seeking".
Leiam, sem tardança, Olavo de Carvalho, meditem nas suas palavras e tirem lá as vossas conclusões, ó digníssimos e atentos compatriotas:
"Só uma coisa pode libertar-nos da hipnose, da escravidão mental abjecta que esses bandidos impuseram ao país: recusar-lhes toda manifestação de respeito, mesmo casual e discreta, mesmo puramente formal e hipócrita. Conceder-lhes, no máximo, a obediência externa que as leis impõem e a força garante. Respeitá-los, nunca. Se querem deleitar-se na baixeza, na mentira e no crime, que o façam. Mas não precisamos ajudá-los a fingir que são muito louváveis por isso". Magister dixit...

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Jurista e Docente Universitário

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