A MORAL POSTIÇA DE JOSÉ MARIA NEVES
José Maria Neves, assim agindo, não desafiou apenas o
primado da lei e o Estado de direito: transformou Cabo Verde numa vulgar "banana
republic", em que o crime passa a ser um meio privilegiado para se ganhar o
pleito eleitoral e promover o "superior interesse" da casta dominante. O senhor
Mugabe ganhou, sem que ninguém suspeitasse, um formidável
discípulo...
O "governo" de José Maria Neves resolveu agir judicialmente
contra Jorge Santos, líder da oposição em Cabo Verde. Eis a notícia, a parangona
dos jornais! Até aqui, nada de novo. O processo é a forma civilizada de resolver
contendas num Estado democrático. O problema começa quando se analisa o conteúdo
da pretensão do circo governamental. O problema não é tanto o discurso oficial:
é o misterio não revelado pelo linguajar dos circunstantes. O que move, afinal,
José Maria Neves? A ética? A transparência? A lisura na gestão da "res publica"?
Vejamos...
"Ética" não é com certeza, porque este (des)governo é o
mesmo que, por artes e feitiços de um sincero maquiavelismo, conserva, no seu
seio, um insigne falsificador de atestados médicos, com contas por prestar à
Justiça. Ora, um Governo (com maiúscula) digno desse nome não pode funcionar
como "branqueador" institucional de criminosos de colarinho branco...
"Transparência" também não é, com toda a certeza. Sobretudo
a partir do momento em que a nação cabo-verdiana, atónita, tomou conhecimento da
pouca-vergonha que é ter um Ministro das Infra-Estruturas com interesses numa
empresa que ("por acaso") participa nos concursos promovidos pela nomenklatura.
O que resta? "Lisura", meu bem? Duvido. E tenho sérios motivos para tal, pelo
menos desde o triste momento em que o Primeiro-Ministro (em Janeiro de 2006,
recorde-se) fez, nas antenas da RCV, propaganda eleitoral ilícita, um crime
previsto e punido pela lei cabo-verdiana, sem sofrer, no entanto, quaisquer
consequências pelo execrável facto.
José Maria Neves, assim agindo, não desafiou apenas o
primado da lei e o Estado de direito: transformou Cabo Verde numa vulgar "banana
republic", em que o crime passa a ser um meio privilegiado para se ganhar o
pleito eleitoral e promover o "superior interesse" da casta dominante. O senhor
Mugabe ganhou, sem que ninguém suspeitasse, um formidável
discípulo...
Eu poderia apontar (e já os apontei, aliás, noutros textos
de opinião) vários outros exemplos, desde o "saco azul" no Ministério da Justiça
à subversão da ordem constitucional promovida pelo Sector Urbano da Praia do
PAICV, o qual, numa escandalosa inversão de valores, se permite dar ordens ao
próprio Governo, órgão de soberania que dirige, ou deve dirigir, a Administração
Pública.
O Banco Mundial, num relatório publicado em 2006, chamou a
atenção para o aumento da corrupção em Cabo Verde. Que tal intentar uma acção
judicial "ad hoc" contra essa instituição de Bretton Woods?!
A governação de José Maria Neves é, pois, uma sucessão de
trapalhadas, embustes e desconversa, em que resquícios do partido-Estado se
misturam, às mil maravilhas, com uma falsa e autoritária retórica de
"modernização".
A própria conversinha de José Neves, inaugurada aí por
volta de 2000/2001, do "partido que vai resgatar a ética" esconde, como avisei
num artigo pretérito, a natureza totalitária profunda do PAICV. O "partido
ético" é, na realidade, uma linguagem CODIFICADA, com um significado preciso.
Faz parte, desde Antonio Gramsci, do vocabulário comunista especializado. Como
ninguém, na altura, se deu ao trabalho de rastrear a sua origem filosófica, a
coisa entrou no "senso comum" de mansinho, como verdade definitiva. Foi, salvo
erro, mais um daqueles casos em que a ignorância histórica produz, em surdina,
políticas desastrosas. Acontece e vai continuar a acontecer: o bem-comum sucumbe
por causa da inépcia das elites. O que o mesmo é dizer: a falta de vigilância
dos homens de boa vontade é a causa principal da desgraça das nações.
A "ética" foi apenas, num contexto marcado por alguma
ansiedade popular, a bandeira de que o PAICV precisava para apagar, se possível,
os crimes e as vilanias do Partido Único e recompor-se como um partido "moderno"
e fabuloso.
Hoje, todavia, vemos os resultados dessa "ética"
maravilhosa: emparelhamento da Administração Pública, negociatas de toda a
ordem, promovidas pelo poder e pelos gentis kamaradas, fuga à Justiça e ao
primado da lei, conflitos de interesse no seio do "governo", nepotismos vários,
controlo quase absoluto da comunicação social do Estado, arregimentação de
consciências, no fragor do assistencialismo, fragilização sistemática do poder
local e promoção descarada da fraude eleitoral (caso da Covoada, como resulta,
aliás, da confissão de um dos condenados; e a manutenção, num consulado do
além-mar, de uma poderosa "madame" que inscreveu pessoas fora do prazo no
caderno eleitoral – crime, sublinhe-se, previsto e punido pela lei em vigor).
Para o PAICV, a "ética" é apenas um mantra. Uma forma de
propaganda, um símbolo epidérmico, um engodo, uma táctica eleitoral engenhosa.
Jamais uma forma autêntica de estar, ou um estilo existencial consciente e
assumido. A "ética", para os partidos dessa matriz ideologica, é ainda uma forma
calculada, e precisa, de "degradação venerável", para usarmos uma expressão do
grande e influente Olavo de Carvalho. O texto deste pensador de fama
internacional foi publicado no Jornal do Brasil, no dia 10 de Abril p.p. (e está
disponível em: www.olavodecarvalho.org/semana/080410jb.html).
O último parágrafo, tão delicioso e notável, parece
ajustar-se à realidade de Cabo Verde, tal é a hipocrisia que domina o nosso
sombrio cenário político, esta "neveslândia" perfumada pelo sabor inconfundivel
do "rent-seeking".
Leiam, sem tardança, Olavo de Carvalho, meditem nas suas
palavras e tirem lá as vossas conclusões, ó digníssimos e atentos
compatriotas:
"Só uma coisa pode libertar-nos da hipnose, da escravidão
mental abjecta que esses bandidos impuseram ao país: recusar-lhes toda
manifestação de respeito, mesmo casual e discreta, mesmo puramente formal e
hipócrita. Conceder-lhes, no máximo, a obediência externa que as leis impõem e a
força garante. Respeitá-los, nunca. Se querem deleitar-se na baixeza, na mentira
e no crime, que o façam. Mas não precisamos ajudá-los a fingir que são muito
louváveis por isso". Magister dixit...
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