quinta-feira, 20 de março de 2008

POBREZA, DESENVOLVIMENTO E MENTALIDADES

Saudamos o regresso de Casimiro de Pina ao convívio dos leitores de “Liberal”. Encontrando-se, neste momento, a prosseguir os seus estudos avançados de Direito em Macau, Casimiro de Pina reaparece, depois de algum tempo de ausência, para, mais do que escrever coisas, reflectir sobre questões importantes e muito profundas. Neste texto, o cronista desenvolve a relação “Justiça Social” e o “Estado” (mais ou menos Estado) e não tem dúvidas, por exemplo, que “em Cabo Verde temos de compreender que o Estado não é a solução do problema. É, pelo contrário, parte do problema. Consome, actualmente, quase metade da riqueza nacional (PIB), empobrecendo, desta forma, a nação e castrando irremediavelmente a iniciativa privada”


A confusão terá começado, em 1755, com Jean-Jacques Rousseau. Este filósofo do iluminismo jacobino e totalitário, com o seu célebre “Discurso sobre as origens das desigualdades”, inaugurou a moderna crença esquerdista sobre as desigualdades, atribuindo ao “maldoso” sistema capitalista a origem de todas as desgraças e infelicidades do universo. A patetice espalhou-se, desde então, como uma praga, tendo sido canonizada pelo santo Marx e trombeteada, num coro formidável, por uma imensa legião de artistas, “homens de cultura”, escritores, pedagogos, cineastas e outros malabaristas de renome, comprometidos com a alucinante crença socialista. Todas as nações (todas, sem qualquer excepção) que experimentaram a “receita” esquerdopata terminaram na ditadura e na mais triste miséria colectiva, longe, muito longe afinal, do “paraíso” social garantido nos livros sagrados do socialismo. Mas, mesmo assim, os fiéis conservaram, intacta, a velha crença e a infalível receita. Justiça social, para eles, só mesmo com “mais Estado” e uma “melhor” distribuição de riqueza!
É isso que tem sido defendido por muitos, inclusive em Cabo Verde. Fernando Elísio, numa entrevista reproduzida no “Expresso das Ilhas”, retoma essa ideia errada. O mais incrível é que ele até começou bem, ao apontar, de forma certeira, um dos grandes problemas da juventude (eu diria antes: “da sociedade”) cabo-verdiana, a falta de “espaço” e de iniciativa, frente a um Estado que impõe, como forma imperativa de convivência, uma cultura de favores, bajulação, assistencialismo e “rent-seeking”.
Fernando tem razão quando reclama um Estado menor e mais eficiente. Mas, logo a seguir, sacrificando-se ao velho preconceito, pede também um Estado mais interventor, para “corrigir” as desigualdades. Ora, são metas contraditórias. Menos Estado significa mais liberdade; mais espaço para a sociedade civil. Logo, mais pluralismo e diferença social. É preciso compreender que a desigualdade é a CONSEQUÊNCIA natural da liberdade. Dois indivíduos igualmente livres, nascidos na mesma família (rica ou pobre), com as mesmas oportunidades, chegarão a resultados diferentes, porque os talentos, a vocação e as capacidades individuais não são iguais. É por isso que os países mais livres são também os mais desiguais. Mas são, também, os países mais pluralistas, com mais espaço para a cidadania, mais criatividade, mais iniciativa privada, mais inovação e desenvolvimento tecnológico. A patetice esquerdista é, pois, lógica e filosoficamente errada, e historicamente insustentável. O que o Estado tem que fazer é lutar contra a pobreza, e não contra a desigualdade (ou a diferenciação social), que é, como vimos, o resultado natural da liberdade. David Hume, no século XVIII, compreendeu que essa mentalidade mesquinha, que prega a inveja como método de salvação social, levaria primeiro à tirania e depois à miséria geral. Isso, de facto, aconteceu, e acontece, em todos os países onde o Estado se agigantou para cumprir a suposta “justiça social” e a boa “redistribuição” de rendimentos reclamada pelas almas piedosas, herdeiras de um “old-world charm” que nunca existiu. Em Cabo Verde temos de compreender que o Estado não é a solução do problema. É, pelo contrário, parte do problema. Consome, actualmente, quase metade da riqueza nacional (PIB), empobrecendo, desta forma, a nação e castrando irremediavelmente a iniciativa privada.
O povo vive enganado, espoliado, narcotizado pela propaganda, idolatrando, sem remédio, o “General Doutor o Estado”, para usarmos a metáfora de Thomas Mann. Os países mais prósperos do mundo são os mais livres, e não os mais fechados. Hong Kong, Singapura, Irlanda, Austrália, Estados Unidos da América, Nova Zelândia, Canadá, Chile, Suíça, Reino Unido, Dinamarca, Estónia, Holanda, Islândia, Luxemburgo, Finlândia, Japão, Maurícias, etc., são os países que ocupam os primeiros lugares no índice da liberdade económica 2008, elaborado pela Heritage Foundation. Nesses países a pobreza é praticamente inexistente e o desenvolvimento humano bastante elevado. Cabo Verde ocupa a 88ª posição, porque o Governo não faz as devidas reformas, mantendo uma burocracia pesada e uma justiça ineficiente. O país perde, assim, oportunidades e dinamismo económico. Países africanos mais avisados (Maurícias; Botswana, que ocupa o 36º lugar na lista da HF) possuem um índice de desenvolvimento humano superior a Cabo Verde.
A questão é que a ideologia totalitária, com os seus mitos, rituais e chavões, não presta nenhuma atenção aos factos. Tudo funciona, nesse círculo transcendente, na base da fé e da crença mística. A política transforma-se, deste modo, numa “religião civil”, imune à realidade e à mais elementar prova histórica. Emilio Gentile fala a propósito, num livro recente, da “politics as religion”. Sim, a “política como religião”, sem tirar nem pôr. É isso. “Le mot juste”, diria o cavalheiro francês...

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Jurista e Docente Universitário

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