sexta-feira, 25 de abril de 2008

UMA "GAFFE" PEDAGÓGICA!

… se o senhor Felisberto Vieira ("Filú") tem provas – ou "elementos que o permitem fazer", na linguagem algo tosca do Ministro -, que as apresente sem demora. Que vá à Polícia Judiciária ou peça, então, a competente intervenção do Lázaro constitucional (perdão: Ministério Público!). Não pode é, imitando uma qualquer prostituta "séria", fingir que é respeitável no momento mesmo em que solapa as bases da Constituição e da convivência democrática

José Manuel Andrade, estribado na perigosa falácia de que "os fins justificam os meios", cometeu, tranquilamente, umas das maiores "gaffes" do Cabo Verde independente! Ulisses Correia e Silva deve ter-se fartado de rir ao ouvir (directamente ou por interposta pessoa...) a delirante justificação de Andrade: "as pessoas sabem que ele podia estar a referir-se a outras pessoas, e cada um saberá posicionar-se perante esta questão que, se existe, é porque o candidato tem elementos que o permitem fazer". Ora, a truculência ínsita na resposta do titular da pasta da Justiça é lapidar, e diz tudo!
Aqui não se trata, todavia, de "cada um saber posicionar-se". O Estado de direito não é uma lotaria. Pelo contrário: tem princípios; tem valores fundamentais. E o senhor Ministro, com uma tão grave responsabilidade institucional, deveria ser o penhor seguro desses princípios e valores que qualificam a democracia e enformam o estalão material da ordem constitucional. Fez o contrário, e é pena.
"No jogo político às vezes é possível surgirem estas questões", acrescentou o inefável Andrade. Mentira! O "jogo político" democrático é um jogo civilizado, orientado por normas ético-jurídicas e fundamentos indeclináveis. Se o Ministro, e tutti quanti, "jogam" doutra forma, sacrificando-se aos interesses da capelinha, é porque são, claramente, inimigos da democracia, no sentido mais profundo que Karl Popper conferia a essa expressão. Demais, se o senhor Felisberto Vieira ("Filú") tem provas – ou "elementos que o permitem fazer", na linguagem algo tosca do Ministro -, que as apresente sem demora. Que vá à Polícia Judiciária ou peça, então, a competente intervenção do Lázaro constitucional (perdão: Ministério Público!).
Não pode é, imitando uma qualquer prostituta "séria", fingir que é respeitável no momento mesmo em que solapa as bases da Constituição e da convivência democrática.
O descaminho do senhor Ministro é, a um tempo, primoroso e preocupante.
Primoroso, porque traduz, na perfeição, a forma de ser dos partidos de sinal totalitário, em que as normas éticas e jurídicas são absorvidas pela estratégia final da organização. É a conhecida, embora pouco discutida entre nós, "ética dos fins absolutos". Preocupante, enfim, porque o Ministro, com uma imagem francamente debilitada, desde os dias do "saco azul", não conseguiu situar-se naquele patamar mínimo de civilidade que se espera de um governante educado.
José Maria Neves, se não quiser assumir a estampa curiosa de um "zé-dos-anzóis", deve arrumar a casa e repor, o quanto antes, a normalidade institucional, antes que a regra do "vale tudo" se imponha como a divisa natural da clique instalada.
PS: A dra. Maria João Novais, reagindo ao "caso" de São Filipe, mostrou que a CNE precisa de aprimorar a sua actuação pública, por forma a merecer a confiança de todos. Antes de tudo: se a CNE está reunida, e ainda não decidiu, não devia avançar nenhuma "explicação" jurídica. Citar o art. 416 do Código Eleitoral (CE), antes da decisão, é uma atitude precipitada que ninguém percebe. Gera desconfiança. Desprestigia a CNE. Poder-se-á pensar, por causa disso, que a decisão já estava "cozinhada". Além disso, sempre se dirá o seguinte: interpretar a lei não é só citar um artigozinho do CE, e pronto! Isso seria a manifestação de um positivismo jurídico rasteiro que nenhuma escola se atreve a defender nos dias de hoje. Basta ler o prefácio do professor Baptista Machado ao livro de Karl Engisch ("Introdução ao Pensamento Jurídico") para se concluir que o positivismo, desde há muito, é uma doutrina completamente desacreditada no plano do pensamento jurídico. Demais, no plano das fontes do Direito, o CE não é, nem pode ser, a última palavra. Bem acima dele, temos, por exemplo, a Constituição e os Princípios Jurídicos Fundamentais. Ora, resulta cristalino que a intenção do legislador cabo-verdiano é garantir a igualdade e a imparcialidade do jogo eleitoral, fazendo com que os titulares dos cargos públicos não beneficiem de certas vantagens durante o período eleitoral. Em nome disso, o artigo 416 do CE merece ser, pois, no mínimo, objecto de uma interpretação restritiva, por forma a harmonizá-lo com os princípios materiais da Constituição e a desejável transparência do processo eleitoral democrático. Não é razoável que o presidente da autarquia, qualquer que ele seja, conserve TODAS as suas regalias nas vésperas das eleições. Isso colocá-lo-ia em manifesta posição de vantagem perante os outros concorrentes. O Direito é o caminho para a Justiça. Não pode, jamais, legitimar situações injustas. "Ius suum cuique"...

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Jurista e Docente Universitário

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