segunda-feira, 29 de outubro de 2007

AS EVASIVAS DE JOSÉ LUÍS HOPFFER ALMADA

José Luís, vendo-se incapaz de refutar essas conclusões irrefutáveis, deixou, por momentos, o campo científico para fazer, em alternativa, uma próspera psicologia de massas, salvando pela emoção aquilo que perdera pela razão. Falou, então, das "boas intenções" (a expressão é minha!) de Amílcar, lembrando o seu velho interesse pela miséria, pela fome, as suas preocupações manifestadas nas Nações Unidas e outros pequenos episódios sentimentalóides que constavam, outrora, dos manuais de propaganda pronto-a-pensar

Após ter recebido um telefonema (algo aflito!) de um patrício e amigo, sintonizei a "RDP/África" para ouvir os anunciados comentários do dr. José Luís Hopffer Almada, acerca do meu artigo sobre Amílcar Cabral. Começo por sublinhar a elegância do comentador, a sua educação e o respeito com que tratou a minha pobre figura.
José Luís Almada (verdade seja dita!) fez um esforço ciclópico para contrariar os meus argumentos, mas...falhou redondamente, e é pena. Falhou porque não tinha argumentos.
Numa frase, a sua longa dissertação radiofónica não passou disto: muita parra, pouca uva!
Pelo caminho, lá foi admitindo, contudo, algumas verdades: a) Amílcar Cabral trabalhou dentro, e não fora, da metodologia marxista; b) Não se pode pretender, como fez o venerável Corsino Tolentino, transformar Cabral na "referência filosófica" de todos os cabo-verdianos.
Quando o "mediador" do programa leu, em directo, este parágrafo do meu texto ["Os pontos essenciais da arquitectura política de Amílcar Cabral são, em síntese, estes: Partido Único; negação dos direitos fundamentais; soberania indiscutível do Partido sobre o indivíduo; ditadura cultural, a ser exercida pela "vanguarda" (isto é, pelo Partido); estatização da economia; e pan-africanismo, por influência directa de Kwame Nkrumah e outros que tais"] o douto jurista e poeta viu-se em mui notórias dificuldades, lançando mão, em desespero de causa, de uma retórica ululante e fragmentária.
José Luís, vendo-se incapaz de refutar essas conclusões irrefutáveis, deixou, por momentos, o campo científico para fazer, em alternativa, uma próspera psicologia de massas, salvando pela emoção aquilo que perdera pela razão. Falou, então, das "boas intenções" (a expressão é minha!) de Amílcar, lembrando o seu velho interesse pela miséria, pela fome, as suas preocupações manifestadas nas Nações Unidas e outros pequenos episódios sentimentalóides que constavam, outrora, dos manuais de propaganda pronto-a-pensar.
O problema é que (eu) não ponho em causa essa faceta cabraliana das "boas intenções". Os maiores ditadores da História sempre tiveram, aliás, "boas intenções", e bons projectos. Salazar, Lenine, Mao Tsé-Tung (o homem que queria dar um "Grande Salto em Frente") tinham bons projectos, e acreditavam nisso. Eram, nessa dimensão, honestos e convictos.
A grande questão é que Amílcar Cabral foi incapaz de ultrapassar o dogmático QUADRO MARXISTA e a inerente vocação totalitária.
Volto a reafirmar o decisivo: na obra de Amílcar não há uma única linha a defender o Estado de Direito, as liberdades fundamentais e a primazia da dignidade humana. Espero que o José Luís Hopffer consiga provar o contrário, sem evasivas e conversa fiada. A grande questão, por outras palavras, é esta: o Estado de Direito não é um envelope de discursos e liturgia piedosa.
O Estado de Direito, esfera de garantias e convivência civilizada, exige um conjunto de INSTITUIÇÕES específicas para existir enquanto tal (separação dos poderes, tribunais independentes, uma administração pública sujeita ao princípio da legalidade, pluralismo político, garantia constitucional dos direitos fundamentais, autonomia da sociedade civil, liberdade de imprensa, propriedade privada, etc., etc.). Ora, nada disto existe na obra de Cabral. Nada, nada, nada, my friend! Daí a imensa dificuldade de Hopffer Almada quando confrontado com o problema da liberdade e da dignidade humana no pensamento (autoritário, diga-se...) de Amílcar Cabral.
Quanto ao resto, tudo na mesma: Cabral não se assumia como cabo-verdiano. Quem o diz é uma pessoa culta e responsável, companheira de Cabral na luta armada, a senhora Dulce Almada Duarte, Não creio, com o devido respeito, que José Luís Hopffer conheça Cabral melhor do que ela.
Acerca do episódio (por mim referido) do Congresso de Cassacá, é notável o malabarismo de Hopffer Almada, tentando, claramente, confundir os ouvintes mais desprevenidos. Uma coisa é defender uma guerra (e, para mim, a guerra de Cabral era efectivamente uma "GUERRA JUSTA", na exacta acepção do direito natural cristão); outra, bem diferente, é aceitar a pena de morte como sanção jurídica e criminal. Eu, por exemplo, defendi na altura (2003) a guerra do Iraque, para se afastar um ditador perigoso e brutal, mas fui contra a execução de Saddam Hussein, tendo escrito um texto de fundo sobre essa temática. São duas coisas diferentes. Amílcar Cabral permitiu o fuzilamento sumário de companheiros de luta (do PAIGC) na sua presença, e isso, francamente, não se compreende. Transformar esse episódio em algo "normal" é a mais completa prova, a meu ver, da perversão moral.
E indício, refira-se, da perigosa MENTALIDADE REVOLUCIONÁRIA, cujo núcleo é, como escreveu o filósofo Olavo de Carvalho, "inverter a ordem do tempo histórico e, com ela, a autoria das acções, transfigurando a inocência alheia em crime e a sua própria abjecção em motivo de vanglória". É por isso que nenhum afilhado da esquerda internacional ousa criticar, por exemplo, Fidel Castro. O alvo é sempre Pinochet, apesar do primeiro ter chacinado muito mais gente e levado Cuba à bancarrota. Pinochet é justamente (muito justamente, sem dúvida) recriminado pelos seus crimes. Mas o "barbudo" de Havana, um tirano muito mais cruel, é festejado como "herói" internacional, desde a luxuosa "Rive Gauche" às favelas do Terceiro-Mundo. Nenhum Baltasar Garzón deste mundo tem a coragem de pedir o julgamento do dinossauro de Havana pelos seus crimes...socialistas!
O cerne da mentalidade revolucionária é, precisamente, a adopção de dois pesos e duas medidas.
"A tradição revolucionária é o perfeito casamento do crime com a mentira".
Olavo de Carvalho está coberto de razão! A tentativa delirante de apagar os aspectos marcadamente totalitários da obra de Amílcar Cabral (vendendo-o, dir-se-ia, como um "defensor" abnegado do Estado de Direito e da liberdade) faz parte de uma estratégia mais ampla: conservar um mito sagrado que sempre legitimou a ditadura em Cabo Verde, e alimentou a superioridade moral de uma certa elite indígena.
O PAICV e os seus "companheiros de jornada" têm todo o interesse em apresentar a ditadura, a tortura, a repressão, e tudo o mais, como um "desvio" relativamente ao projecto político de Cabral. É uma doce mentira cultivada com desvelo. Até quando, meu Deus?

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Jurista e Docente Universitário

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