quinta-feira, 18 de outubro de 2007

TELL ME NO LIES!

Cabral foi, sim, um homem corajoso. Fez uma luta. Era um excelente diplomata. Tinha objectivos nobres, como libertar Guiné e Cabo Verde do jugo colonial. Mas defendeu, simultaneamente, as piores ideias que um homem pode defender. Era contra a democracia representativa; apreciava o modelo leninista/totalitário; negava a liberdade do indivíduo face ao Estado; defendia um "contrato social" hobbesiano. Não há, nos escritos de Cabral, uma única linha a favor do Estado de Direito ou da primazia da dignidade da Pessoa Humana face ao Partido e ao Estado. Desafio os agentes do “Pravda” a provarem o contrário

Há cerca de três anos atrás decidi embarcar num exercício intelectual delicioso e estimulante. Peguei, durante alguns meses, nas obras de Amílcar Cabral (“A arma da teoria”, “A prática revolucionária” e outros escritos esparsos) e analisei, criticamente, esse famoso espólio cabraliano, cotejando-o, aliás, com o pensamento de Lenine, Karl Popper e outros pensadores modernos. Contei, nessa busca, com o apoio precioso de Jorge Carlos Fonseca, intelectual que dispensa qualquer apresentação.
As conclusões, reproduzidas num texto então publicado, foram no mínimo interessantes: o pensamento político de Amílcar é, praticamente, uma fotocópia das teses de Lenine, “personalidade” que Amílcar admirava profundamente.
Há também alguma coisa de Antonio Gramsci pelo meio, mas Cabral fala sobretudo de Lenine. A obra leninista que mais influenciou Amílcar terá sido “O Estado e a revolução”, tal é a semelhança entre as teses defendidas por Cabral e as do velho militante bolchevique, chefe-de-fila da baderna Russa de 1917, responsável pela pior tirania do século XX.
Os pontos essenciais da arquitectura (política) de Amílcar Cabral são, em síntese, estes:
Partido Único; negação dos direitos fundamentais; soberania indiscutível do Partido sobre o indivíduo; ditadura cultural, a ser exercida pela “vanguarda” (isto é, pelo Partido); estatização da economia; e “pan-africanismo”, por influência directa de Kwame Nkrumah e outros que tais.
Serve este breve preâmbulo para desmontar um texto de propaganda (publicado no “A Semana”) de Corsino Tolentino, antigo Ministro da Educação de Cabo Verde. A coisa é uma impostura intelectual do princípio ao fim, um monumento de desinformação e manipulação ideológica. Com astúcia maquiavélica, Corsino fala, a respeito de Cabral, da “cabo-verdianidade africana”. Um conceito rebuscado e pomposo! Mas há um pequeno pormenor desagradável: AMÍLCAR CABRAL NÃO SE ASSUMIA COMO CABO-VERDIANO. Quem o diz é o sociólogo Gabriel Fernandes, na sua consistente tese de doutoramento, citando uma pessoa insuspeita, uma senhora culta e respeitável, Dulce Almada Duarte, viúva de Abílio Duarte. Para quê, então, insistir no mito e na mentira?
O pensamento político (cultural e económico) de Amílcar é, no fundo, a Constituição de 1980, do tempo da ditadura. Está tudo lá. A ideia, peregrina, de que Pedro Pires, Aristides Pereira e companhia limitada “trairam” o pensamento de Cabral (ao instaurarem a mesquinha ditadura pró-totalitária) é apenas uma dessas patetices geniais de quem nunca estudou as teses cabralianas. Para Freud, um indivíduo só atinge a fase adulta quando adquire o “princípio da realidade”, passando a distinguir a realidade do puro devaneio. Não há qualquer dissonância entre os pressupostos da “democracia revolucionária” e as teses de Amílcar, bebidas, como vimos, em Lenine.
A própria fórmula “suicídio da pequena burguesia” (de resto, uma ideia absurda, porque a tendência da burguesia é, por definição, buscar mais riqueza…), vista como uma grande “inovação” teórica de Cabral, tem uma origem marcadamente soviética, advinda da necessidade de “exportar” a revolução para os países periféricos do Terceiro-Mundo. Como esses países não tinham passado pela Revolução Industrial, e portanto não tinham um “proletariado” consciente, era necessária, dizia-se, uma “vanguarda” (o Partido) para tomar as rédeas da luta e da construção da “nova sociedade”, o projecto da autêntica “libertação” nacional, como “acto de cultura”. Brejnev defendia essa ideia, na altura bastante popular.
Quanto à “pedagogia” de Cabral, era, no fundo, a “pedagogia” do famoso Paulo Freire: uma “pedagogia do oprimido” alinhada com as macabras teses de Fidel Castro, da “teoria da dependência” e do estalinismo mais atroz.
Essa brilhante “pedagogia” (ou “demagogia”…) só produziu miséria, genocídio e opressão nos países onde foi imposta, pela ditadura e pela espora do Partido Único, desde a União Soviética ao Camboja de Pol Pot.
Corsino Tolentino afirma, por outro lado, que Cabral era “afável e profundo”. Olhe lá que não sei, senhor! Amílcar Cabral defendia a pena de morte. Na década de 60, no Congresso de Cassacá, permitiu o fuzilamento sumário de alguns comandos na sua presença.
Não me parece que isso seja próprio de uma alma “afável”. A imagem mítica proposta por Tolentino não tem, na verdade, qualquer fundamento. Ouçamos um naco da prosa tolentiniana: “Creio, no entanto, que o seu exemplo e a sua obra ainda são o principal referencial filosófico e político dos cabo-verdianos e guineenses, sejam quais forem as preferências ou filiações partidárias. Essa ética e essa estética alimentam a esperança em dias melhores nas pátrias gémeas de Amílcar Cabral e em África”.
Trata-de de um chorrilho de asneiras e subterfúgios! O pensamento político de Cabral, com o seu substrato totalitário, não pode ser “o principal referencial filosófico” numa democracia constitucional e numa economia de mercado aberta e globalizada.
Cabral foi, sim, um homem corajoso. Fez uma luta. Era um excelente diplomata. Tinha objectivos nobres, como libertar Guiné e Cabo Verde do jugo colonial. Mas defendeu, simultaneamente, as piores ideias que um homem pode defender.
Era contra a democracia representativa; apreciava o modelo leninista/totalitário; negava a liberdade do indivíduo face ao Estado; defendia um “contrato social” hobbesiano.
Não há, nos escritos de Cabral, uma única linha a favor do Estado de Direito ou da primazia da dignidade da Pessoa Humana face ao Partido e ao Estado. Desafio os agentes do “Pravda” a provarem o contrário. Corsino Tolentino não quer, por conseguinte, buscar a verdade, a razão de ser da Filosofia, desde a Grécia antiga. Numa altura em que tanto se fala da Universidade de Cabo Verde, vale a pena lembrar que o ideal universitário é um ideal fortemente Iluminista, como notou o grande Allan Bloom, crítico implacável do relativismo moral e das ideologias autoritárias.
O espírito universitário é, por definição, o espírito de Sócrates, um sábio, um Filósofo, preocupado com a verdade, a objectividade e os factos. Um ideal que não se compagina com a reprodução de banalidades (míticas) sem sustentação, jogando com a emoção das “massas” e evitando, a todo o custo, a descoberta da verdade. Corsino, muito doutor e elegante, não passa, no fundo, de um “Filódoxo”, muito amigo da “doxa”, debitando uma opinião atraente, mas frouxa e não fundamentada. O lema do Filósofo é: “verdade acima de tudo”. O lema do Filódoxo é: “benefício pessoal ou de grupo”, seja de que natureza for, patrimonial ou simbólica.
Bem, por hoje é tudo! Fiquem com Deus e com estes “links” que vos deixo, a respeito de um mito frágil da esquerda internacional, o senhor “Che” Guevara. O tipo era um assassino da pior estirpe, o criador do primeiro Campo de Concentração em Cuba, um estalinista de primeira grandeza que se definia a si próprio como uma “fria máquina de matar”. “Che” levou o Banco Nacional cubano à mais completa ruína. Após ter feito tantas asneiras, foi corrido de Havana, por ordem dos russos, e acabou abandonado na selva boliviana. Apesar de tudo, o mito continua, alimentado por artistas, cineastas e romancistas aliados do movimento comunista internacional. Ainda há dias, a embaixada de Cuba (perdão, de Fidel Castro!) em Cabo Verde homenageou essa curiosa figura.
Não posso informar-vos acerca dos passos e descompassos, porque lá não estive! Mas imagino o calor do riquíssimo incenso oficial, a mitologia de salão, a mistificação ordeira, a fantasia das belas palavras, a farsa engalanada, e tudo o mais que sempre caracterizou a atmosfera totalitária!
Ipojuca Pontes, escritor de talento e estudioso rigoroso do comunismo, escreveu um artigo devastador acerca do “mito Che” (disponível neste endereço: www.midiasemmascara.org./artigo.php?sid=6115&language=pt).
Os factores explicativos dessa interessante mitologia podem ser encontrados no blog de um outro notável pensador brasileiro (www.puggina.org). Só um cheirinho fascinante:
“Se você for buscar modelos entre os grandes exemplos de idealismo e coerência do século XX, certamente, em meio a muitos outros, vai-se deparar com pessoas como Ghandi, Martin Luther King, Madre Tereza, João Paulo II, Konrad Adenauer, Alcide De Gasperi, Robert Schuman. Pondere a qualidade dos ideais que assumiram. Analise a dedicação e o inestimável serviço que, concretamente, prestaram à humanidade. Compare isso tudo, leitor, com os seus próprios ideais e com os princípios que o inspiram. Por fim, coteje-os com as terríveis tragédias, fracassos e genocídios em que, inevitável e sistematicamente, desembocaram as ideias que o Che tentou impor com os instrumentos da violência”. Ou então esta passagem:
“Os argentinos amam Maradona, mas reconhecem seus desvios de conduta e não o têm como referência para seus jovens. Nenhum pai admirador do craque o apontará como modelo aos filhos. Servir veneno à juventude, transformando em mito um sanguinário guerrilheiro, isso só a esquerda totalitária tem coragem de fazer”. Sobre histórias perdidas do Gulag - os campos de concentração soviéticos que inspiraram “Che” -, veja-se o retrato feito por Bukovsky (www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=743).
Mais do que isso? Só mesmo Olavo de Carvalho, com o seu incomparável… “Incomparáveis” (www.olavodecarvalho.org/semana/071015dc.html).

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Jurista e Docente Universitário

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