TELL ME NO LIES!
Cabral foi, sim, um homem corajoso. Fez uma luta. Era um
excelente diplomata. Tinha objectivos nobres, como libertar Guiné e Cabo Verde
do jugo colonial. Mas defendeu, simultaneamente, as piores ideias que um homem
pode defender. Era contra a democracia representativa; apreciava o modelo
leninista/totalitário; negava a liberdade do indivíduo face ao Estado; defendia
um "contrato social" hobbesiano. Não há, nos escritos de Cabral, uma única linha
a favor do Estado de Direito ou da primazia da dignidade da Pessoa Humana face
ao Partido e ao Estado. Desafio os agentes do “Pravda” a provarem o
contrário
Há cerca de três anos atrás decidi embarcar num exercício
intelectual delicioso e estimulante. Peguei, durante alguns meses, nas obras de
Amílcar Cabral (“A arma da teoria”, “A prática revolucionária” e outros escritos
esparsos) e analisei, criticamente, esse famoso espólio cabraliano, cotejando-o,
aliás, com o pensamento de Lenine, Karl Popper e outros pensadores modernos.
Contei, nessa busca, com o apoio precioso de Jorge Carlos Fonseca, intelectual
que dispensa qualquer apresentação.
As conclusões, reproduzidas num texto então publicado,
foram no mínimo interessantes: o pensamento político de Amílcar é, praticamente,
uma fotocópia das teses de Lenine, “personalidade” que Amílcar admirava
profundamente.
Há também alguma coisa de Antonio Gramsci pelo meio, mas
Cabral fala sobretudo de Lenine. A obra leninista que mais influenciou Amílcar
terá sido “O Estado e a revolução”, tal é a semelhança entre as teses defendidas
por Cabral e as do velho militante bolchevique, chefe-de-fila da baderna Russa
de 1917, responsável pela pior tirania do século XX.
Os pontos essenciais da arquitectura (política) de Amílcar
Cabral são, em síntese, estes:
Partido Único; negação dos direitos fundamentais; soberania
indiscutível do Partido sobre o indivíduo; ditadura cultural, a ser exercida
pela “vanguarda” (isto é, pelo Partido); estatização da economia; e
“pan-africanismo”, por influência directa de Kwame Nkrumah e outros que
tais.
Serve este breve preâmbulo para desmontar um texto de
propaganda (publicado no “A Semana”) de Corsino Tolentino, antigo Ministro da
Educação de Cabo Verde. A coisa é uma impostura intelectual do princípio ao fim,
um monumento de desinformação e manipulação ideológica. Com astúcia
maquiavélica, Corsino fala, a respeito de Cabral, da “cabo-verdianidade
africana”. Um conceito rebuscado e pomposo! Mas há um pequeno pormenor
desagradável: AMÍLCAR CABRAL NÃO SE ASSUMIA COMO CABO-VERDIANO. Quem o diz é o
sociólogo Gabriel Fernandes, na sua consistente tese de doutoramento, citando
uma pessoa insuspeita, uma senhora culta e respeitável, Dulce Almada Duarte,
viúva de Abílio Duarte. Para quê, então, insistir no mito e na
mentira?
O pensamento político (cultural e económico) de Amílcar é,
no fundo, a Constituição de 1980, do tempo da ditadura. Está tudo lá. A ideia,
peregrina, de que Pedro Pires, Aristides Pereira e companhia limitada “trairam”
o pensamento de Cabral (ao instaurarem a mesquinha ditadura pró-totalitária) é
apenas uma dessas patetices geniais de quem nunca estudou as teses cabralianas.
Para Freud, um indivíduo só atinge a fase adulta quando adquire o “princípio da
realidade”, passando a distinguir a realidade do puro devaneio. Não há qualquer
dissonância entre os pressupostos da “democracia revolucionária” e as teses de
Amílcar, bebidas, como vimos, em Lenine.
A própria fórmula “suicídio da pequena burguesia” (de
resto, uma ideia absurda, porque a tendência da burguesia é, por definição,
buscar mais riqueza…), vista como uma grande “inovação” teórica de Cabral, tem
uma origem marcadamente soviética, advinda da necessidade de “exportar” a
revolução para os países periféricos do Terceiro-Mundo. Como esses países não
tinham passado pela Revolução Industrial, e portanto não tinham um
“proletariado” consciente, era necessária, dizia-se, uma “vanguarda” (o Partido)
para tomar as rédeas da luta e da construção da “nova sociedade”, o projecto da
autêntica “libertação” nacional, como “acto de cultura”. Brejnev defendia essa
ideia, na altura bastante popular.
Quanto à “pedagogia” de Cabral, era, no fundo, a
“pedagogia” do famoso Paulo Freire: uma “pedagogia do oprimido” alinhada com as
macabras teses de Fidel Castro, da “teoria da dependência” e do estalinismo mais
atroz.
Essa brilhante “pedagogia” (ou “demagogia”…) só produziu
miséria, genocídio e opressão nos países onde foi imposta, pela ditadura e pela
espora do Partido Único, desde a União Soviética ao Camboja de Pol
Pot.
Corsino Tolentino afirma, por outro lado, que Cabral era
“afável e profundo”. Olhe lá que não sei, senhor! Amílcar Cabral defendia a pena
de morte. Na década de 60, no Congresso de Cassacá, permitiu o fuzilamento
sumário de alguns comandos na sua presença.
Não me parece que isso seja próprio de uma alma “afável”. A
imagem mítica proposta por Tolentino não tem, na verdade, qualquer fundamento.
Ouçamos um naco da prosa tolentiniana: “Creio, no entanto, que o seu exemplo e a
sua obra ainda são o principal referencial filosófico e político dos
cabo-verdianos e guineenses, sejam quais forem as preferências ou filiações
partidárias. Essa ética e essa estética alimentam a esperança em dias melhores
nas pátrias gémeas de Amílcar Cabral e em África”.
Trata-de de um chorrilho de asneiras e subterfúgios! O
pensamento político de Cabral, com o seu substrato totalitário, não pode ser “o
principal referencial filosófico” numa democracia constitucional e numa economia
de mercado aberta e globalizada.
Cabral foi, sim, um homem corajoso. Fez uma luta. Era um
excelente diplomata. Tinha objectivos nobres, como libertar Guiné e Cabo Verde
do jugo colonial. Mas defendeu, simultaneamente, as piores ideias que um homem
pode defender.
Era contra a democracia representativa; apreciava o modelo
leninista/totalitário; negava a liberdade do indivíduo face ao Estado; defendia
um “contrato social” hobbesiano.
Não há, nos escritos de Cabral, uma única linha a favor do
Estado de Direito ou da primazia da dignidade da Pessoa Humana face ao Partido e
ao Estado. Desafio os agentes do “Pravda” a provarem o contrário. Corsino
Tolentino não quer, por conseguinte, buscar a verdade, a razão de ser da
Filosofia, desde a Grécia antiga. Numa altura em que tanto se fala da
Universidade de Cabo Verde, vale a pena lembrar que o ideal universitário é um
ideal fortemente Iluminista, como notou o grande Allan Bloom, crítico implacável
do relativismo moral e das ideologias autoritárias.
O espírito universitário é, por definição, o espírito de
Sócrates, um sábio, um Filósofo, preocupado com a verdade, a objectividade e os
factos. Um ideal que não se compagina com a reprodução de banalidades (míticas)
sem sustentação, jogando com a emoção das “massas” e evitando, a todo o custo, a
descoberta da verdade. Corsino, muito doutor e elegante, não passa, no fundo, de
um “Filódoxo”, muito amigo da “doxa”, debitando uma opinião atraente, mas frouxa
e não fundamentada. O lema do Filósofo é: “verdade acima de tudo”. O lema do
Filódoxo é: “benefício pessoal ou de grupo”, seja de que natureza for,
patrimonial ou simbólica.
Bem, por hoje é tudo! Fiquem com Deus e com estes “links”
que vos deixo, a respeito de um mito frágil da esquerda internacional, o senhor
“Che” Guevara. O tipo era um assassino da pior estirpe, o criador do primeiro
Campo de Concentração em Cuba, um estalinista de primeira grandeza que se
definia a si próprio como uma “fria máquina de matar”. “Che” levou o Banco
Nacional cubano à mais completa ruína. Após ter feito tantas asneiras, foi
corrido de Havana, por ordem dos russos, e acabou abandonado na selva boliviana.
Apesar de tudo, o mito continua, alimentado por artistas, cineastas e
romancistas aliados do movimento comunista internacional. Ainda há dias, a
embaixada de Cuba (perdão, de Fidel Castro!) em Cabo Verde homenageou essa
curiosa figura.
Não posso informar-vos acerca dos passos e descompassos,
porque lá não estive! Mas imagino o calor do riquíssimo incenso oficial, a
mitologia de salão, a mistificação ordeira, a fantasia das belas palavras, a
farsa engalanada, e tudo o mais que sempre caracterizou a atmosfera
totalitária!
Ipojuca Pontes, escritor de talento e estudioso rigoroso do
comunismo, escreveu um artigo devastador acerca do “mito Che” (disponível neste
endereço: www.midiasemmascara.org./artigo.php?sid=6115&language=pt).
Os factores explicativos dessa interessante mitologia podem
ser encontrados no blog de um outro notável pensador brasileiro
(www.puggina.org). Só um cheirinho fascinante:
“Se você for buscar modelos entre os grandes exemplos de
idealismo e coerência do século XX, certamente, em meio a muitos outros, vai-se
deparar com pessoas como Ghandi, Martin Luther King, Madre Tereza, João Paulo
II, Konrad Adenauer, Alcide De Gasperi, Robert Schuman. Pondere a qualidade dos
ideais que assumiram. Analise a dedicação e o inestimável serviço que,
concretamente, prestaram à humanidade. Compare isso tudo, leitor, com os seus
próprios ideais e com os princípios que o inspiram. Por fim, coteje-os com as
terríveis tragédias, fracassos e genocídios em que, inevitável e
sistematicamente, desembocaram as ideias que o Che tentou impor com os
instrumentos da violência”. Ou então esta passagem:
“Os argentinos amam Maradona, mas reconhecem seus desvios
de conduta e não o têm como referência para seus jovens. Nenhum pai admirador do
craque o apontará como modelo aos filhos. Servir veneno à juventude,
transformando em mito um sanguinário guerrilheiro, isso só a esquerda
totalitária tem coragem de fazer”. Sobre histórias perdidas do Gulag - os campos
de concentração soviéticos que inspiraram “Che” -, veja-se o retrato feito por
Bukovsky (www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=743).
Mais do que isso? Só mesmo Olavo de Carvalho, com o seu
incomparável… “Incomparáveis” (www.olavodecarvalho.org/semana/071015dc.html).
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