A PATACOADA DO PROFESSOR!
A Petição da Acção Popular, dirigida à Assembleia Nacional,
é, sim, um instrumento jurídico adequado e oportuno. Um documento idóneo e uma
peça muito bem fundamentada. É preciso recordar ao inefável Mestre Virgílio que
os subscritores só avançaram com a referida Acção Popular após terem verificado
uma incrível inacção das autoridades “competentes”, perante factos públicos e
notórios. Uma vergonha absoluta, em qualquer país minimamente civilizado. Cabo
Verde, com efeito, está a transformar-se numa vulgar Republiqueta das bananas,
uma “democracia de fachada”, onde certos nababos (e os respectivos compadres)
cometem crimes graves e nunca são responsabilizados. A corrupção está a ganhar
terreno
“Por toda a parte surgiu o homem-massa... um tipo de homem
feito à pressa, montado apenas sobre umas quantas abstracções...” - Ortega Y
Gasset
Encontro-me, neste momento, na ilha do Fogo, mal servida,
como se sabe, em termos de meios de comunicação (telefone, Internet, etc.). Na
semana passada, por exemplo, a minha aldeia, Ribeira do Ilhéu, ficou quase
quatro dias sem telefone, uma situação insustentável num país que se quer
“competitivo”, empanturrado na propaganda da “boa governação”.
Ora, a velha distinção Cidade/Campo deixou de fazer sentido
nas nações mais desenvolvidas, sobretudo no tocante ao grau de conforto
disponível e à utilização das preciosas tecnologias de comunicação e
informação.
Mesmo assim, e por insistência do gentil arquitecto Nuno
Marques, acabei por ter acesso, num distante “ciber-café”, ao artigo do Dr.
Virgílio Brandão, no qual a nobilíssima criatura, em manifesta pose professoral,
faz um conjunto de considerações acerca da Acção Popular subscrita por vários
cidadãos desta República, entre os quais o autor destas linhas. Sou, na verdade,
o “porta-voz” desse singelo movimento de cidadania, aceitando, claro, o honroso
convite que me foi dirigido pelos pioneiros da oportuna iniciativa, a primeira
do género em quase quinze anos de vigência da actual Constituição.
Ao que parece, o nosso Mestre Virgílio ficou irritado com o
movimento, procurando, de forma algo patética, denegrir os seus promotores.
Virgílio, apesar da sua imensa arrogância (aliás patente no seu artigo), possui
um raciocínio confuso e escreve um péssimo português. O meu pai, que tinha
apenas a 4.ª classe de instrução primária, era capaz de fazer muito melhor. Aqui
vão alguns exemplos:
O poderoso Mestre escrevinhou: “Daí que a Constituição de
Cabo Verde, em termos de inserção sistemática, coloca-o...”. Ora, isso é
português de meia pataca! Caríssimo: a expressão “daí que” pede necessariamente
o conjuntivo.
Qualquer aluno liceal sabe que é assim. O correcto é: “Daí
que a Constituição... coloque-o...” e assim por diante. Da próxima vez consulte
uma Gramática, para não fazer figura de urso.
Outro exemplo: “Introduz, na verdade, um elemento corrector
de participação política cidadã na lógica tripartida de Montesquieu e que ainda
não se compreendeu a verdadeira ou real extensão…”. Uma péssima construção
frásica, Mestre! Se fosse eu, a frase ficaria desta forma:
“Introduz, na verdade, um elemento corrector de
participação política cidadã na lógica tripartida de Montesquieu, cuja
verdadeira ou real extensão ainda não se compreendeu”.
Enfim, um último exemplo, para não abusar da paciência do
leitor (até porque o santo Evangelho recomenda a caridade e o divinal “ama o teu
próximo como a ti mesmo”...):
“A Acção popular é e pode ser vista sobre as seguintes
perspectivas”.
Será que o admirável Mestre quis dizer “sob as seguintes
perspectivas”?! Hum!
“Sob” é coisa bem diferente de “sobre”, aprende-se na
escola primária. Eu posso estar, já agora, sentado “sobre o burro”. O meu
telefone pode estar “sob escuta”; nunca “sobre escuta”. Fui claro, doutor? Que
Deus nos guarde das barbaridades alheias!
A decadência linguística empobrece a própria técnica
jurídica. Stendhal, o célebre autor do romance “Vermelho e Negro”, lia
constantemente o Código Civil (napoleónico) para apurar o seu estilo literário.
É um facto conhecido. Bons velhos tempos! Estávamos no século XIX e ainda não
havia deliciosos Virgílios…
Não contente com a patacoada inicial, Virgílio, douto e
emproado, entra “a matar”!!! Pega, com a perícia de um cirurgião, na questão
(jurídica) do “arguido” e ensaia, então, uma “extraordinária” doutrina, nunca
dantes conhecida! É uma “barbaridade jurídica”, alega o nosso “iluminado”,
tratar José Maria Neves por “arguido”.
Ora, o mais estúpido funcionário judicial de Cabo Verde
sabe que, em face do novo Código de Processo Penal (CPP), é absolutamente normal
tomar José Maria Neves por “arguido”. É possível, é legítimo e é legal.
Porquê?
O artigo 74.º, n.º 2, do CPP em vigor, definindo o
conceito, diz o seguinte:
“É arguido todo aquele sobre quem recaia forte suspeita de
ter cometido um crime, cuja existência esteja suficientemente
comprovada”.
O crime (aliás mais do que um!) está, no caso das
declarações do senhor José Neves, “suficientemente” comprovado. Além disso,
sobre o nosso Primeiro-Ministro recai uma “forte suspeita”. Na verdade, mais do
que isso: o Supremo Tribunal de Justiça, num recente Acórdão, afirmou que o
Primeiro-Ministro cometeu, sim, certos crimes no dia das eleições legislativas
(22 de Janeiro de 2006).
Por tudo isso, é perfeitamente normal que o Dr. Carlos
Veiga, causídico que redigiu a Petição, tenha usado a expressão “arguido”. O
conceito foi empregue com inteira propriedade.
Assim sendo, o Mestre Virgílio, ignorando a Lei, cometeu
uma tremenda “barbaridade”, ainda por cima sem um pingo de seriedade, sabendo
que o Dr. Carlos Veiga é um advogado respeitado e um homem que ajudou a
estruturar o Estado de Direito democrático em Cabo Verde, através, nomeadamente,
da Constituição democrática de 1992.
Veiga merecia (e merece) ser tratado com respeito e
cortesia. Por “tabela”, o doutor Brandão aproveitou para ofender todos aqueles
que subscreveram a Petição, no exercício, aliás, de um direito constitucional
fundamental. No fim, deu nisso: um belo “disparate” jurídico. Bastava ler o
Código de Processo Penal, doutor! Evitava-se a asneira…
A Petição da Acção Popular, dirigida à Assembleia Nacional,
é, sim, um instrumento jurídico adequado e oportuno. Um documento idóneo e uma
peça muito bem fundamentada.
É preciso recordar ao inefável Mestre Virgílio que os
subscritores só avançaram com a referida Acção Popular após terem verificado uma
incrível inacção das autoridades “competentes”, perante factos públicos e
notórios. Uma vergonha absoluta, em qualquer país minimamente civilizado.
Cabo Verde, com efeito, está a transformar-se numa vulgar
Republiqueta das bananas, uma “democracia de fachada”, onde certos nababos (e os
respectivos compadres) cometem crimes graves e nunca são responsabilizados. A
corrupção está a ganhar terreno.
Ao contrário da venerável “esperteza” do doutor Virgílio,
os subscritores da Petição, cidadãos deste país, conscientes dos seus deveres,
acharam por bem lutar contra essa pouca-vergonha, que mancha sobremaneira a
imagem da nossa democracia. Afinal, estamos num Estado de Direito, onde todos
são iguais perante a lei.
Aquele que tiver a pretensão de violar os valores centrais
da República e da Justiça é um déspota e não merece honrarias nem aplausos.
É estranho que o senhor Virgílio não tenha levantado a sua
voz contra esse lamentável “statu quo”, uma autêntica “podridão administrativa”,
e esteja, agora, a batalhar contra aqueles que ousam, justamente, defender a
Constituição (a “reserva da justiça”, no dizer do constitucionalista Gomes
Canotilho), a igualdade e o primado da lei!
Há, na realidade, ensinava um sábio jusfilósofo, dois tipos
de Juristas: há aqueles que trabalham pela Justiça; mas há outros que só pensam
nos juros, no doce pecúlio!
E, por isso, bajulam, rastejam, reclamam a “prescrição” dos
crimes, na ânsia de agradar “O Príncipe”. Cada qual escolhe o seu caminho. Da
minha parte, só peço que ninguém me obrigue a legitimar a corrupção e o crime de
colarinho branco. Não contem comigo.
Os subscritores da Acção Popular seguiram, sim, a via
apropriada para defender o Estatuto dos Titulares de Cargos Públicos (ETCP). A
confusão virgiliana é, nesse ponto, tão primária que nem merece um comentário.
Só uma pergunta. Então Sua Excelência José Maria Neves, usando a sua condição de
Primeiro-Ministro, abusa do poder, comete um Crime de Responsabilidade, e mesmo
assim “não infringiu” o Estatuto de governante? É isso?!
Ora, uma criança de sete anos consegue perceber,
intuitivamente, o que o doutor Virgílio, com o seu prodigioso “saber”, vai
levar, certamente, algum tempo para compreender! É da mais elementar evidência
que José Maria Neves, no dia 22 de Janeiro de 2006, atentou, aliás gravemente,
contra o ETCP. Por vezes, reconheço, é difícil levar um Mestre a entrar nos
caminhos da Justiça…
Mais facilmente um camelo entraria no fundo de uma agulha!
Quanto à questão da “prescrição”: é repugnante imaginar,
como imagina o Virgílio, que um Crime de Responsabilidade, cometido por um alto
governante deste país, “prescreva” num prazo tão curto. A IMPUNIDADE faria
escola em Cabo Verde! Cenário dantesco...
Salvo o devido respeito, o Virgílio Brandão está a fazer
uma terrível confusão. A suposta “prescrição” de que ele fala é, na verdade”, a
prescrição do direito de queixa relativamente a um crime particular.
Tratando-se de UM CRIME PÚBLICO, como é manifestamente o
caso, essa hipótese fica completamente afastada. Cabe, então, ao Ministério
Público (MP) exercer a ACÇÃO PENAL. A acção popular visa, precisamente, por
intermédio da Assembleia Nacional, nos termos da Lei, suscitar a intervenção
penal do MP, a fim de este exercer a acção que se impõe, para a defesa da Ordem
Constitucional dos Valores. A “Grundnorm”, dir-se-ia, parafraseando Hans Kelsen,
o grande defensor do “modelo austríaco” de fiscalização da constitucionalidade
das leis.
Aliás, José Maria Neves, no dia 22 de Janeiro de 2006,
cometeu vários crimes eleitorais regulados pelo ACTUAL Código Penal, para além
do tal Crime de Responsabilidade e do atentado contra o Estado de Direito
democrático.
O Código Penal, sendo um diploma posterior ao Código
Eleitoral, revogou esta lei na parte correspondente aos crimes eleitorais por si
previstos (e punidos). “Lex posterior priori derogat”. Isto é, “A lei posterior
revoga a anterior”.
Os crimes eleitorais tratados no novo Código Penal (e são
muitos) deixaram, pois, de ser “crimes especiais”. Estão, doravante, sujeitos ao
Regime Comum, para todos os efeitos jurídicos, incluindo a famosa “prescrição”.
Neste caso, a “argumentação” do Virgílio iria, toda ela, para o esgoto, fazendo
companhia aos habitantes do prestigiado local. É uma honesta
possibilidade...
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