ÁFRICA E GLOBALIZAÇÃO: MITOS QUE PERDURAM!
“A classe dirigente africana é fundamentalmente louca,
perdida na orgia da corrupção e da impunidade” (…) “A desgraça do continente
africano é o triunfo, na senda das independências, sobretudo a partir dos anos
60 do século XX, da Ideologia Colectivista” (…) “Os verdadeiros amigos de África
devem compreender, de uma vez por todas, que o continente africano precisa, não
de mais "ajuda", mas de mais Liberdade”. São algumas das muitas afirmações de
Casimiro de Pina que fomos encontrar no seu texto de estrea, a 19 de Maio, no
“Mídia Sem Máscara” (www.midiasemmascara.com.br), conforme noticiamos
ontem
O mundo, tal qual o conhecemos, é o resultado, em boa
medida, do Tratado de Vestefália, de 1648.
A Guerra dos Trinta Anos chegava ao fim e nascia, sobre os
seus escombros, o Estado-nação, com o seu exército independente e uma
administração centralizada.
A influência da Santa Sé não se perdeu em absoluto, mas
sofreu uma queda considerável. A Igreja já não mandava. A autoridade civil
passou para as mãos do Príncipe, tão louvado por Maquiavel. E voilà!
A soberania dessacralizou-se. Jean Bodin, com subtileza,
teorizou o "espírito do tempo": a soberania é o poder que não tem igual na ordem
interna nem superior na ordem externa.
Doravante, o soberano precisava da bênção papal apenas para
cimentar o seu "direito divino" num determinado território. A fé era um
complemento do ceptro. É toda uma nova "divisão do trabalho" entre os poderes
temporal e espiritual. Um certo Luís XIV, convencido e socialista, pôde
declarar: "L'État, c'est moi!". Luzes da França. O papel da religião passou a
ser outro. Bem outro.
Era, doravante, um símbolo, uma fonte suplementar de
legitimidade, não um poder impositivo sobre os homens. A fé governava corações,
mas já não administrava reinos. É neste contexto que acontece uma polémica
extraordinária entre dois cavalheiros, Robert Filmer e John Locke. O primeiro,
partidário do absolutismo, defendia o direito divino dos reis. Locke contestava
tal pretensão. Filmer argumentava de forma brilhante. Locke, mais
ainda.
Estamos no século XVII. Não havia casamento gay nem
alarmismo ecológico patrocinado por Al Gore e pela elegância milionária de
Hollywood. Tampouco havia pornografia nas escolas, seguindo a sábia recomendação
da "pedagogia" moderna. Os alunos, nessa época, aprendiam a escrever e
respeitavam os mais velhos.
COMO ERA SENSATO O MUNDO!
O fundamento moral da Democracia Liberal brota, então, das
ideias e acicata as paixões. Um patriotismo cívico, alicerçado na rule of Law,
desponta, poderoso, no horizonte. Pressente-se uma reconstrução da Ética e da
Filosofia Política.
Max Weber, mais tarde, iria examinar o mistério dessa
revolução cultural no seu clássico A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo, actualizado, se se quiser, pela indispensável análise de Michael
Novak, A Ética Católica e o Espírito do Capitalismo, onde este professor
americano, de origem europeia, mostra que a liberdade económica é perfeitamente
compatível com a fé católica, rejeitando, deste modo, a estultícia da "teologia
da libertação" e o seu ranço antiliberal e colectivista.
Quando, há bem pouco tempo, o senhor Kofi Annan proclamava
que o desenvolvimento é, afinal, uma questão de "direitos humanos e segurança",
tarefa que a ONU cumpriu, todavia, de forma assaz deficiente (traindo os
objectivos liberais da Declaração Universal dos Direitos do Homem), percebeu-se
que Locke ganhou a contenda.
O nosso mundo é lockeano, ainda que na aparência retórica.
Ninguém se lembra do pobre Filmer, que se bateu, naqueles dias, com galhardia,
apoiado na formidável autoridade eclesiástica. John Locke é o direito
individual, o parlamentarismo e o governo pelo consentimento, ou seja, o melhor
da tradição britânica desde o grito anunciador da Magna Carta de 1215. O seu
pensamento não é absolutamente original, mas o culminar de uma tradição política
que compreendeu o valor do Direito Natural, de origem Cristã, e as dificuldades
inerentes à Natureza Humana.
Ao contrário da loucura de Rousseau, e do seu idílico "bom
selvagem", os povos anglo-saxónicos cedo perceberam que o Homem é uma criatura
complexa, ambivalente, capaz do melhor e do pior. As pessoas precisam, por isso,
de freios. Sobretudo as pessoas que ocupam altos cargos dirigentes. O governo
deve, por conseguinte, ser limitado. Não se pode dar "carta branca" aos
governantes. Este é um conselho bem liberal, que James Madison registou, com
palavras imarcescíveis, n' O Federalista n.º 51. Escreveu ele: "Deve fazer-se
com que a ambição contrabalance a ambição.O interesse do homem deve estar ligado
aos interesses constitucionais do cargo.Mas o que é o governo em si próprio
senão a maior de todas as reflexões sobre a natureza humana? Se os homens fossem
anjos nenhuma espécie de governo seria necessária".
No entanto, figuras como Kadhafi ou Robert Mugabe
recusam-se a escutar a voz da prudência. Preferem, antes, o autoritarismo e o
blueprint de que falava Popper, a "reconstrução" do mundo a partir do zero,
táctica ensinada, inter alia, na Academia de Moscovo.
A desgraça do continente africano é o triunfo, na senda das
independências, sobretudo a partir dos anos 60 do século XX, da Ideologia
Colectivista. Foi o Socialismo Totalitário, com algum nacionalismo cultural à
mistura, da Etiópia de Mengistu à Argélia de Boumedienne, que arruinou a
agricultura africana e destruiu as bases da indústria nascente. Aplicando as
teses erradas de Prebisch e da CEPAL, a economia fechou-se num labirinto utópico
que não permitiu nem o crescimento nem a criação de emprego. Ora, a economia
prospera na dinâmica da livre troca, não no casulo dos sonhadores, como Kwame
Nkrumah. Um continente inteiro caiu, assim, na armadilha da estagnação e,
posteriormente, na ruína total.
O coro cínico e barulhento do "Movimento dos Países
Não-Alinhados" (aliás recentemente reactivado na ilha-cárcere de Fidel Castro,
com a participação do Presidente da República do meu país, Pedro Pires, com
saudades, dir-se-ia, da sua ex-ditadura "revolucionária"!), forjado em Bandung,
deu cobertura aos déspotas mais rapaces e patéticos que aprisionaram nações
inteiras, impondo a cartilha do Partido Único e o respectivo catecismo
ideológico: controlo da imprensa, educação marxista-leninista, abolição das
liberdades individuais, ódio à cultura política liberal e ao pluralismo,
economia estatizada e restrição drástica dos investimentos externos.
Como sublinhou Jean-François Revel, em A Obsessão
Antiamericana, Bertrand Editora, Lisboa, 2003, p. 68: "O que verdadeiramente
querem é imputar ao capitalismo uma miséria que, em África, é sobretudo filha do
socialismo". Há um mito que contamina a mentalidade contemporânea. Diz-se por
aí, inclusive em sítios educados, que a globalização tem "agravado" a pobreza em
África. É falso.
África está excluída da globalização, não por qualquer
"conspiração dos brancos" ou coisa parecida, mas porque quer. Ou melhor, porque
a sua elite, patrimonialista (no sentido weberiano) e estatizante, assim quis e
determinou. Ninguém perguntou à população, de cada país, se quer ou não a
globalização. Ninguém se deu ao luxo de submeter o preconceito ao teste
democrático.
Assim, [o nosso continente] não aproveita, é pena, as
vantagens do comércio e da inovação tecnológica. Não se insere na cadeia global
de produção de riqueza.
O "modo de produção" dominante em África não é
"capitalista", como repetem alguns inocentes úteis, mas semifeudal. A realidade
está aí. Na agricultura, por exemplo, usam-se métodos primitivos, pouco
eficientes, no meio de crenças mágicas que favorecem a exploração autocrática e
a continuidade da pilhagem dos recursos, para suprema vergonha nossa. Os
verdadeiros amigos de África devem compreender, de uma vez por todas, que o
continente africano precisa, não de mais "ajuda", mas de mais Liberdade. África
necessita de uma Ética rigorosa. E de um Estado de Direito, um governo de leis,
para combater a praga da corrupção e garantir a transparência pública. Os
recursos naturais não fazem a diferença, está provado. O importante é a
qualidade da Administração Pública e da governança, que é um problema do sistema
político e do primado da lei. Amartya Sen já mostrou que a fome não é só falta
de alimentos. A fome tem a sua origem na falta de democracia e justiça. (Para
uma penetrante compreensão do papel da Liberdade na criação da prosperidade, ver
uma outra obra clássica de Jean-François Revel: Nem Marx, nem Jesus, Artenova,
RJ, 1973, pp. 123-133). "Ajuda" para quê, se depois aparece um Sani Abacha e
transfere tudo para a sua conta pessoal na Suíça? Nos moldes actuais, como disse
alguém, a "ajuda" tem um único propósito: tirar dos pobres dos países ricos para
dar aos ricos dos países pobres. (Para uma análise perspicaz do problema
africano, particularmente quanto à transição para a democracia, ver a notável
obra colectiva editada por Gyimah-Boadi, Democratic Reform in Africa: The
Quality of Progress, Lynne Rienner Publishers, Colorado, 2004).
Basta fazermos uma simples experiência para compreendermos
a essência do problema: peguemos no mapa mundial da pobreza e, em simultâneo, no
índice anual publicado pela Heritage Foundation. A verdade é cristalina. Os
países mais ricos são, justamente, aqueles que apostam na liberdade económica.
Mesmo em África, os países mais abertos têm os melhores índices de
Desenvolvimento Humano. Isso não diz nada aos "iluminados" do PNUD?
Ainda assim, há criaturas que criticam a famosa
"globalização" e pedem mais "ajudas", a Jihad permanente dos cleptocratas. Pelos
vistos, a cantilena "progressista" vai continuar e, com ela, a pobreza das
nações. De algum modo, por uma pungente ironia, Robert Filmer venceu John Locke,
mas em África, e Kofi Annan, o burocrata ganês, não deu por isso! A classe
dirigente africana é fundamentalmente louca, perdida na orgia da corrupção e da
impunidade. Louca e não lockeana. Financiar uma "classe" louca é, no entanto, a
loucura decisiva, o cúmulo da negligência humana. O Ocidente, já se sabe,
continua na sua, Voando sobre um Ninho de Cucos.
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