terça-feira, 22 de maio de 2007

ÁFRICA E GLOBALIZAÇÃO: MITOS QUE PERDURAM!

“A classe dirigente africana é fundamentalmente louca, perdida na orgia da corrupção e da impunidade” (…) “A desgraça do continente africano é o triunfo, na senda das independências, sobretudo a partir dos anos 60 do século XX, da Ideologia Colectivista” (…) “Os verdadeiros amigos de África devem compreender, de uma vez por todas, que o continente africano precisa, não de mais "ajuda", mas de mais Liberdade”. São algumas das muitas afirmações de Casimiro de Pina que fomos encontrar no seu texto de estrea, a 19 de Maio, no “Mídia Sem Máscara” (www.midiasemmascara.com.br), conforme noticiamos ontem

O mundo, tal qual o conhecemos, é o resultado, em boa medida, do Tratado de Vestefália, de 1648.
A Guerra dos Trinta Anos chegava ao fim e nascia, sobre os seus escombros, o Estado-nação, com o seu exército independente e uma administração centralizada.
A influência da Santa Sé não se perdeu em absoluto, mas sofreu uma queda considerável. A Igreja já não mandava. A autoridade civil passou para as mãos do Príncipe, tão louvado por Maquiavel. E voilà!
A soberania dessacralizou-se. Jean Bodin, com subtileza, teorizou o "espírito do tempo": a soberania é o poder que não tem igual na ordem interna nem superior na ordem externa.
Doravante, o soberano precisava da bênção papal apenas para cimentar o seu "direito divino" num determinado território. A fé era um complemento do ceptro. É toda uma nova "divisão do trabalho" entre os poderes temporal e espiritual. Um certo Luís XIV, convencido e socialista, pôde declarar: "L'État, c'est moi!". Luzes da França. O papel da religião passou a ser outro. Bem outro.
Era, doravante, um símbolo, uma fonte suplementar de legitimidade, não um poder impositivo sobre os homens. A fé governava corações, mas já não administrava reinos. É neste contexto que acontece uma polémica extraordinária entre dois cavalheiros, Robert Filmer e John Locke. O primeiro, partidário do absolutismo, defendia o direito divino dos reis. Locke contestava tal pretensão. Filmer argumentava de forma brilhante. Locke, mais ainda.
Estamos no século XVII. Não havia casamento gay nem alarmismo ecológico patrocinado por Al Gore e pela elegância milionária de Hollywood. Tampouco havia pornografia nas escolas, seguindo a sábia recomendação da "pedagogia" moderna. Os alunos, nessa época, aprendiam a escrever e respeitavam os mais velhos.
COMO ERA SENSATO O MUNDO!
O fundamento moral da Democracia Liberal brota, então, das ideias e acicata as paixões. Um patriotismo cívico, alicerçado na rule of Law, desponta, poderoso, no horizonte. Pressente-se uma reconstrução da Ética e da Filosofia Política.
Max Weber, mais tarde, iria examinar o mistério dessa revolução cultural no seu clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, actualizado, se se quiser, pela indispensável análise de Michael Novak, A Ética Católica e o Espírito do Capitalismo, onde este professor americano, de origem europeia, mostra que a liberdade económica é perfeitamente compatível com a fé católica, rejeitando, deste modo, a estultícia da "teologia da libertação" e o seu ranço antiliberal e colectivista.
Quando, há bem pouco tempo, o senhor Kofi Annan proclamava que o desenvolvimento é, afinal, uma questão de "direitos humanos e segurança", tarefa que a ONU cumpriu, todavia, de forma assaz deficiente (traindo os objectivos liberais da Declaração Universal dos Direitos do Homem), percebeu-se que Locke ganhou a contenda.
O nosso mundo é lockeano, ainda que na aparência retórica. Ninguém se lembra do pobre Filmer, que se bateu, naqueles dias, com galhardia, apoiado na formidável autoridade eclesiástica. John Locke é o direito individual, o parlamentarismo e o governo pelo consentimento, ou seja, o melhor da tradição britânica desde o grito anunciador da Magna Carta de 1215. O seu pensamento não é absolutamente original, mas o culminar de uma tradição política que compreendeu o valor do Direito Natural, de origem Cristã, e as dificuldades inerentes à Natureza Humana.
Ao contrário da loucura de Rousseau, e do seu idílico "bom selvagem", os povos anglo-saxónicos cedo perceberam que o Homem é uma criatura complexa, ambivalente, capaz do melhor e do pior. As pessoas precisam, por isso, de freios. Sobretudo as pessoas que ocupam altos cargos dirigentes. O governo deve, por conseguinte, ser limitado. Não se pode dar "carta branca" aos governantes. Este é um conselho bem liberal, que James Madison registou, com palavras imarcescíveis, n' O Federalista n.º 51. Escreveu ele: "Deve fazer-se com que a ambição contrabalance a ambição.O interesse do homem deve estar ligado aos interesses constitucionais do cargo.Mas o que é o governo em si próprio senão a maior de todas as reflexões sobre a natureza humana? Se os homens fossem anjos nenhuma espécie de governo seria necessária".
No entanto, figuras como Kadhafi ou Robert Mugabe recusam-se a escutar a voz da prudência. Preferem, antes, o autoritarismo e o blueprint de que falava Popper, a "reconstrução" do mundo a partir do zero, táctica ensinada, inter alia, na Academia de Moscovo.
A desgraça do continente africano é o triunfo, na senda das independências, sobretudo a partir dos anos 60 do século XX, da Ideologia Colectivista. Foi o Socialismo Totalitário, com algum nacionalismo cultural à mistura, da Etiópia de Mengistu à Argélia de Boumedienne, que arruinou a agricultura africana e destruiu as bases da indústria nascente. Aplicando as teses erradas de Prebisch e da CEPAL, a economia fechou-se num labirinto utópico que não permitiu nem o crescimento nem a criação de emprego. Ora, a economia prospera na dinâmica da livre troca, não no casulo dos sonhadores, como Kwame Nkrumah. Um continente inteiro caiu, assim, na armadilha da estagnação e, posteriormente, na ruína total.
O coro cínico e barulhento do "Movimento dos Países Não-Alinhados" (aliás recentemente reactivado na ilha-cárcere de Fidel Castro, com a participação do Presidente da República do meu país, Pedro Pires, com saudades, dir-se-ia, da sua ex-ditadura "revolucionária"!), forjado em Bandung, deu cobertura aos déspotas mais rapaces e patéticos que aprisionaram nações inteiras, impondo a cartilha do Partido Único e o respectivo catecismo ideológico: controlo da imprensa, educação marxista-leninista, abolição das liberdades individuais, ódio à cultura política liberal e ao pluralismo, economia estatizada e restrição drástica dos investimentos externos.
Como sublinhou Jean-François Revel, em A Obsessão Antiamericana, Bertrand Editora, Lisboa, 2003, p. 68: "O que verdadeiramente querem é imputar ao capitalismo uma miséria que, em África, é sobretudo filha do socialismo". Há um mito que contamina a mentalidade contemporânea. Diz-se por aí, inclusive em sítios educados, que a globalização tem "agravado" a pobreza em África. É falso.
África está excluída da globalização, não por qualquer "conspiração dos brancos" ou coisa parecida, mas porque quer. Ou melhor, porque a sua elite, patrimonialista (no sentido weberiano) e estatizante, assim quis e determinou. Ninguém perguntou à população, de cada país, se quer ou não a globalização. Ninguém se deu ao luxo de submeter o preconceito ao teste democrático.
Assim, [o nosso continente] não aproveita, é pena, as vantagens do comércio e da inovação tecnológica. Não se insere na cadeia global de produção de riqueza.
O "modo de produção" dominante em África não é "capitalista", como repetem alguns inocentes úteis, mas semifeudal. A realidade está aí. Na agricultura, por exemplo, usam-se métodos primitivos, pouco eficientes, no meio de crenças mágicas que favorecem a exploração autocrática e a continuidade da pilhagem dos recursos, para suprema vergonha nossa. Os verdadeiros amigos de África devem compreender, de uma vez por todas, que o continente africano precisa, não de mais "ajuda", mas de mais Liberdade. África necessita de uma Ética rigorosa. E de um Estado de Direito, um governo de leis, para combater a praga da corrupção e garantir a transparência pública. Os recursos naturais não fazem a diferença, está provado. O importante é a qualidade da Administração Pública e da governança, que é um problema do sistema político e do primado da lei. Amartya Sen já mostrou que a fome não é só falta de alimentos. A fome tem a sua origem na falta de democracia e justiça. (Para uma penetrante compreensão do papel da Liberdade na criação da prosperidade, ver uma outra obra clássica de Jean-François Revel: Nem Marx, nem Jesus, Artenova, RJ, 1973, pp. 123-133). "Ajuda" para quê, se depois aparece um Sani Abacha e transfere tudo para a sua conta pessoal na Suíça? Nos moldes actuais, como disse alguém, a "ajuda" tem um único propósito: tirar dos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países pobres. (Para uma análise perspicaz do problema africano, particularmente quanto à transição para a democracia, ver a notável obra colectiva editada por Gyimah-Boadi, Democratic Reform in Africa: The Quality of Progress, Lynne Rienner Publishers, Colorado, 2004).
Basta fazermos uma simples experiência para compreendermos a essência do problema: peguemos no mapa mundial da pobreza e, em simultâneo, no índice anual publicado pela Heritage Foundation. A verdade é cristalina. Os países mais ricos são, justamente, aqueles que apostam na liberdade económica. Mesmo em África, os países mais abertos têm os melhores índices de Desenvolvimento Humano. Isso não diz nada aos "iluminados" do PNUD?
Ainda assim, há criaturas que criticam a famosa "globalização" e pedem mais "ajudas", a Jihad permanente dos cleptocratas. Pelos vistos, a cantilena "progressista" vai continuar e, com ela, a pobreza das nações. De algum modo, por uma pungente ironia, Robert Filmer venceu John Locke, mas em África, e Kofi Annan, o burocrata ganês, não deu por isso! A classe dirigente africana é fundamentalmente louca, perdida na orgia da corrupção e da impunidade. Louca e não lockeana. Financiar uma "classe" louca é, no entanto, a loucura decisiva, o cúmulo da negligência humana. O Ocidente, já se sabe, continua na sua, Voando sobre um Ninho de Cucos.

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Jurista e Docente Universitário

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