FAREED ZAKARIA E O “NOVO” PAICV
Não há, da parte do Poder, nem da Imprensa, um esforço de
educação cívica no sentido de des-legitimar esse cancro democrático, que abala a
confiança nas instituições e a credibilidade do Estado de direito. O PAICV já
ocupou todos os cargos de chefia na Administração Pública e nas empresas
estatais, ou dominadas pelo Estado, passando por cima do mérito ou de
considerações de justiça. O que vale é ter cartão de militante e professar o
magnífico “socialismo democrático” do dr. José Maria Neves. É certo que o PNUD
tem publicado relatórios pouco recomendáveis, quanto ao Desenvolvimento Humano.
O Banco Mundial idem aspas, no tocante à corrupção. Mas isso não preocupa,
porque nunca são discutidos na televisão ou na rádio nacional. A censura e a
manipulação da comunicação social (factores que impulsionam a democracia
iliberal) são de tal monta que, na recente classificação dos Repórteres Sem
Fronteiras, ONG que avalia a liberdade de imprensa, Cabo Verde desceu 16 lugares
duma assentada. É obra!
“O Futuro da Liberdade”, da autoria de Fareed Zakaria,
indiano radicado nos Estados Unidos da América, é um livro que devia ser lido
por todos aqueles que querem compreender o mundo contemporâneo, resultante da
queda do muro de Berlim e da implosão da antiga URSS.
Tive a felicidade de fazer uma recensão ao livro de Zakaria
ainda antes da respectiva tradução portuguesa. Já lá vão três anos. É um
documento sóbrio, bem fundamentado, e uma obra cintilante, preocupada com a
causa da liberdade e da ética republicana, tão cara aos fundadores da
Constituição americana, símbolo da modernidade política ocidental.
Zakaria, trabalhando um conceito-chave (“democracia
iliberal”), tocou no problema decisivo do nosso tempo. Como sublinhei no meu
comentário, em 1900, na época do imperialismo europeu e das “colónias
ultramarinas”, havia poucas democracias no mundo. Os Governos não eram
legitimados, há um século atrás, pelo voto popular.
Hoje, pelo contrário, em quase toda a parte, há eleições e
partidos políticos concorrentes. A democracia, no sentido de escolha
maioritária, triunfou. Antigos ditadores, seja na Ásia, seja no continente
africano, vestem o fato da “democracia” e são escolhidos no carnaval das
eleições.
A comunidade internacional aplaude o inaudito espectáculo,
uma espécie de “monarquia electiva”, no dizer impressivo de Jean-François
Revel.
Será que isso significa uma Liberdade genuína? Não, claro
que não. Como escreveu Zakaria, “democracy is flourishing; liberty is not”. São
dois conceitos distintos. Aqui, como noutras dimensões da existência, as
aparências enganam. Iludem sobremaneira. A democracia, desde Aristóteles,
Tocqueville ou Stuart Mill, nunca se confundiu com a liberdade.
A liberdade não é uma questão de voto popular. É uma
questão de contrapesos, de freios ao poder da maioria. Se a maioria não tiver
limites, pode sufocar a minoria e destruir a liberdade. A liberdade é o triunfo
do império do Direito.
A grande novidade da Constituição norte-americana, de 1787,
reside, justamente, neste ponto: foi a primeira Lei Fundamental da era moderna a
consagrar a divisão dos poderes (Executivo, Legislativo e Judicial) e a limitar
o poder da maioria.
Infelizmente, nas novas democracias do pós-Guerra Fria, as
maiorias podem tudo, ou quase tudo. Os Governos não conhecem limites. E, por
isso, são democracias de fachada, com pouca qualidade, convivendo,
tranquilamente, com as velhas práticas, tais como corrupção, falta de
transparência ou abuso do poder. Cabo Verde não foge à regra. Fazemos eleições,
para não desagradar o FMI, mas o vencedor manda e desmanda com uma facilidade
que espanta qualquer um!
Membros do Governo cometem crimes e nada lhes acontece!
Tenha-se presente o célebre falsificador de atestados médicos. Alunas grávidas,
mais de uma centena, são expulsas dos liceus, perante a passividade geral! Uma
flagrante violação do art. 49.º da Constituição, que consagra a Liberdade de
Aprender, direito básico em qualquer sociedade livre. Parece que a Amnistia
Internacional não tomou conhecimento desse atropelo, típico dos regimes
muçulmanos fundamentalistas. O Poder Judicial, neste momento, se não é corrupto,
é, pelo menos, tímido e calculista, incapaz de fazer algo para conter os abusos
da maioria.
Recentemente, vários casos foram noticiados nos jornais. Há
inúmeros concursos públicos viciados e os “responsáveis” não são punidos, nem
chamados ao tribunal. É uma vergonha absoluta.
Obras públicas milionárias (estradas, aeroportos, etc.) são
atribuídas por “adjudicação directa” a certas empresas, sem concurso público,
pondo em causa a transparência e lançando suspeitas perfeitamente evitáveis.
Fortunas fabulosas, não é de admirar!, são construídas num ápice, e ninguém sabe
donde vem a alcavala, neste Eldorado dos novos-ricos, a máfia de colarinho
branco.
Instala-se, a pouco e pouco, na penumbra da “democracia”,
uma autêntica República dos Malabaristas. É um Poder medonho, avassalador,
autocrático e patrimonialista, beneficiando, por ora, de algum apoio
internacional e da complacência das chancelarias ocidentais.
O pior é que o “rent-seeking”, o uso de cargos públicos
para fins privados, é ainda uma prática largamente tolerada em Cabo Verde.
Não há, da parte do Poder, nem da Imprensa, um esforço de
educação cívica no sentido de des-legitimar esse cancro democrático, que abala a
confiança nas instituições e a credibilidade do Estado de direito. O PAICV já
ocupou todos os cargos de chefia na Administração Pública e nas empresas
estatais, ou dominadas pelo Estado, passando por cima do mérito ou de
considerações de justiça. O que vale é ter cartão de militante e professar o
magnífico “socialismo democrático” do dr. José Maria Neves.
É certo que o PNUD tem publicado relatórios pouco
recomendáveis, quanto ao Desenvolvimento Humano. O Banco Mundial idem aspas, no
tocante à corrupção. Mas isso não preocupa, porque nunca são discutidos na
televisão ou na rádio nacional. A censura e a manipulação da comunicação social
(factores que impulsionam a democracia iliberal) são de tal monta que, na
recente classificação dos Repórteres Sem Fronteiras, ONG que avalia a liberdade
de imprensa, Cabo Verde desceu 16 lugares duma assentada. É obra!
A malta do poleiro, encastelada na venerável demagogia,
fala, todavia, de “sucesso”, alegando, com um sorriso paternalista, que as
contas do Estado “estão em dia” e que “não há motivos” de preocupação.
Elementar, meu caro Watson!
Há, em tudo isso, uma contradição interessante: o
Primeiro-Ministro e os seus vassalos vendem, num primeiro momento, a imagem de
“um país de sucesso”, Atlântida liberal com estabilidade macroeconómica, na
linha das recomendações teóricas de Milton Friedman; um país que cresce, enfim,
“à velocidade de cruzeiro”. Mas, volta e meia, acossados pelos sindicatos,
trazem a charada de sempre: “meus amigos, honrados patriotas, infelizmente não
podemos cumprir aquilo que prometemos, o Estado não tem ‘espaço fiscal’ para
tanto”. Por Zeus que é hilariante!!!
Segundo o Departamento de Estado norte-americano, a maioria
dos trabalhadores cabo-verdianos não goza da protecção social. Parece a
Inglaterra do século XVIII, nos primórdios da revolução industrial. A
prostituição infantil aumenta e as “autoridades” calam-se perante o problema. É
uma delícia, o torpor oficial.
Como diria o outro, “quel joli pays, mais quelle misère!”.
Pois o que temos? A democracia totalitária em pleno andamento...
Seja o primeiro a comentar
Enviar um comentário