quinta-feira, 12 de abril de 2007

FAREED ZAKARIA E O “NOVO” PAICV

Não há, da parte do Poder, nem da Imprensa, um esforço de educação cívica no sentido de des-legitimar esse cancro democrático, que abala a confiança nas instituições e a credibilidade do Estado de direito. O PAICV já ocupou todos os cargos de chefia na Administração Pública e nas empresas estatais, ou dominadas pelo Estado, passando por cima do mérito ou de considerações de justiça. O que vale é ter cartão de militante e professar o magnífico “socialismo democrático” do dr. José Maria Neves. É certo que o PNUD tem publicado relatórios pouco recomendáveis, quanto ao Desenvolvimento Humano. O Banco Mundial idem aspas, no tocante à corrupção. Mas isso não preocupa, porque nunca são discutidos na televisão ou na rádio nacional. A censura e a manipulação da comunicação social (factores que impulsionam a democracia iliberal) são de tal monta que, na recente classificação dos Repórteres Sem Fronteiras, ONG que avalia a liberdade de imprensa, Cabo Verde desceu 16 lugares duma assentada. É obra!

“O Futuro da Liberdade”, da autoria de Fareed Zakaria, indiano radicado nos Estados Unidos da América, é um livro que devia ser lido por todos aqueles que querem compreender o mundo contemporâneo, resultante da queda do muro de Berlim e da implosão da antiga URSS.
Tive a felicidade de fazer uma recensão ao livro de Zakaria ainda antes da respectiva tradução portuguesa. Já lá vão três anos. É um documento sóbrio, bem fundamentado, e uma obra cintilante, preocupada com a causa da liberdade e da ética republicana, tão cara aos fundadores da Constituição americana, símbolo da modernidade política ocidental.
Zakaria, trabalhando um conceito-chave (“democracia iliberal”), tocou no problema decisivo do nosso tempo. Como sublinhei no meu comentário, em 1900, na época do imperialismo europeu e das “colónias ultramarinas”, havia poucas democracias no mundo. Os Governos não eram legitimados, há um século atrás, pelo voto popular.
Hoje, pelo contrário, em quase toda a parte, há eleições e partidos políticos concorrentes. A democracia, no sentido de escolha maioritária, triunfou. Antigos ditadores, seja na Ásia, seja no continente africano, vestem o fato da “democracia” e são escolhidos no carnaval das eleições.
A comunidade internacional aplaude o inaudito espectáculo, uma espécie de “monarquia electiva”, no dizer impressivo de Jean-François Revel.
Será que isso significa uma Liberdade genuína? Não, claro que não. Como escreveu Zakaria, “democracy is flourishing; liberty is not”. São dois conceitos distintos. Aqui, como noutras dimensões da existência, as aparências enganam. Iludem sobremaneira. A democracia, desde Aristóteles, Tocqueville ou Stuart Mill, nunca se confundiu com a liberdade.
A liberdade não é uma questão de voto popular. É uma questão de contrapesos, de freios ao poder da maioria. Se a maioria não tiver limites, pode sufocar a minoria e destruir a liberdade. A liberdade é o triunfo do império do Direito.
A grande novidade da Constituição norte-americana, de 1787, reside, justamente, neste ponto: foi a primeira Lei Fundamental da era moderna a consagrar a divisão dos poderes (Executivo, Legislativo e Judicial) e a limitar o poder da maioria.
Infelizmente, nas novas democracias do pós-Guerra Fria, as maiorias podem tudo, ou quase tudo. Os Governos não conhecem limites. E, por isso, são democracias de fachada, com pouca qualidade, convivendo, tranquilamente, com as velhas práticas, tais como corrupção, falta de transparência ou abuso do poder. Cabo Verde não foge à regra. Fazemos eleições, para não desagradar o FMI, mas o vencedor manda e desmanda com uma facilidade que espanta qualquer um!
Membros do Governo cometem crimes e nada lhes acontece! Tenha-se presente o célebre falsificador de atestados médicos. Alunas grávidas, mais de uma centena, são expulsas dos liceus, perante a passividade geral! Uma flagrante violação do art. 49.º da Constituição, que consagra a Liberdade de Aprender, direito básico em qualquer sociedade livre. Parece que a Amnistia Internacional não tomou conhecimento desse atropelo, típico dos regimes muçulmanos fundamentalistas. O Poder Judicial, neste momento, se não é corrupto, é, pelo menos, tímido e calculista, incapaz de fazer algo para conter os abusos da maioria.
Recentemente, vários casos foram noticiados nos jornais. Há inúmeros concursos públicos viciados e os “responsáveis” não são punidos, nem chamados ao tribunal. É uma vergonha absoluta.
Obras públicas milionárias (estradas, aeroportos, etc.) são atribuídas por “adjudicação directa” a certas empresas, sem concurso público, pondo em causa a transparência e lançando suspeitas perfeitamente evitáveis. Fortunas fabulosas, não é de admirar!, são construídas num ápice, e ninguém sabe donde vem a alcavala, neste Eldorado dos novos-ricos, a máfia de colarinho branco.
Instala-se, a pouco e pouco, na penumbra da “democracia”, uma autêntica República dos Malabaristas. É um Poder medonho, avassalador, autocrático e patrimonialista, beneficiando, por ora, de algum apoio internacional e da complacência das chancelarias ocidentais.
O pior é que o “rent-seeking”, o uso de cargos públicos para fins privados, é ainda uma prática largamente tolerada em Cabo Verde.
Não há, da parte do Poder, nem da Imprensa, um esforço de educação cívica no sentido de des-legitimar esse cancro democrático, que abala a confiança nas instituições e a credibilidade do Estado de direito. O PAICV já ocupou todos os cargos de chefia na Administração Pública e nas empresas estatais, ou dominadas pelo Estado, passando por cima do mérito ou de considerações de justiça. O que vale é ter cartão de militante e professar o magnífico “socialismo democrático” do dr. José Maria Neves.
É certo que o PNUD tem publicado relatórios pouco recomendáveis, quanto ao Desenvolvimento Humano. O Banco Mundial idem aspas, no tocante à corrupção. Mas isso não preocupa, porque nunca são discutidos na televisão ou na rádio nacional. A censura e a manipulação da comunicação social (factores que impulsionam a democracia iliberal) são de tal monta que, na recente classificação dos Repórteres Sem Fronteiras, ONG que avalia a liberdade de imprensa, Cabo Verde desceu 16 lugares duma assentada. É obra!
A malta do poleiro, encastelada na venerável demagogia, fala, todavia, de “sucesso”, alegando, com um sorriso paternalista, que as contas do Estado “estão em dia” e que “não há motivos” de preocupação. Elementar, meu caro Watson!
Há, em tudo isso, uma contradição interessante: o Primeiro-Ministro e os seus vassalos vendem, num primeiro momento, a imagem de “um país de sucesso”, Atlântida liberal com estabilidade macroeconómica, na linha das recomendações teóricas de Milton Friedman; um país que cresce, enfim, “à velocidade de cruzeiro”. Mas, volta e meia, acossados pelos sindicatos, trazem a charada de sempre: “meus amigos, honrados patriotas, infelizmente não podemos cumprir aquilo que prometemos, o Estado não tem ‘espaço fiscal’ para tanto”. Por Zeus que é hilariante!!!
Segundo o Departamento de Estado norte-americano, a maioria dos trabalhadores cabo-verdianos não goza da protecção social. Parece a Inglaterra do século XVIII, nos primórdios da revolução industrial. A prostituição infantil aumenta e as “autoridades” calam-se perante o problema. É uma delícia, o torpor oficial.
Como diria o outro, “quel joli pays, mais quelle misère!”. Pois o que temos? A democracia totalitária em pleno andamento...

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Jurista e Docente Universitário

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