sexta-feira, 27 de abril de 2007

ALVÍSSARAS D`AQUÉM E D`ALÉM-MAR

O Presidente da República, numa infeliz declaração, sugere aos partidos políticos a revisão do artigo 37.º da Constituição. Não faz qualquer sentido, pelo menos com os argumentos avançados. Pedro Pires, que sempre assinou, de cruz, todos os diplomas flagrantemente inconstitucionais do Governo, mostra, mais uma vez, a sua face, a face de um homem da ditadura, que nunca foi amigo dos Direitos Fundamentais. A "djagacida" jurídico-constitucional sugerida pelo nobre cavalheiro, supremo magistrado da nação, não leva em conta que a "ratio" do artigo 37.º é proteger o cidadão cabo-verdiano, e não fomentar a impunidade. O cidadão cabo-verdiano não pode ser EXTRADITADO, mas, havendo provas, será JULGADO e, sendo o caso, CONDENADO pelos tribunais CABO-VERDIANOS. A Constituição é muito clara
 
A democracia não é apenas, como quis o grande Churchill, "o pior dos regimes [políticos] exceptuando todos os outros". Longe disso. A democracia é o melhor dos regimes, o melhor mundo possível, sobretudo no caso das "democracias" africanas! É uma festa permanente. Após o isolamento de Cabo Verde (na sequência do corte de um cabo submarino), o leitor merece ser posto ao corrente das últimas novidades, de cortar água na boca. São alvíssaras, senhor! D'aquém e d'além-mar.
A) CÂMARA MUNICIPAL DA PRAIA
Câmara Municipal da Praia. Continua a ser um antro de acontecimentos singulares. O Presidente da Ordem dos Arquitectos (OACV) resolveu, desta feita, pôr a boca no trombone, denunciando, numa carta dirigida ao Procurador-Geral da República, a bandalheira urbanística que vai por aí. Mete nojo. Nesse covil autárquico, o "arquitecto" responsável pela área dos projectos é o mesmo que... faz os projectos! A OACV dá exemplos e tudo. Exemplos chocantes. Parece que a prostituição moral é um negócio rentável e conta com o apoio da clique dirigente. É o "Japão" do "Filú", a "pérola", vá lá, da confusão entre a esfera pública e a privada, e dos negócios da China. O Presidente da OACV afirma que os lotes são "inventados" para servir os amigos e camaradas. É como as licenças de táxi, que o nosso grandíssimo "Filú" (o sr. Felisberto Vieira Lopes) esconde a sete chaves e não mostra a ninguém, tal é a sua enorme esperteza administrativa. "Filú", o soba africano, ditadorzeco do caraças! Ele é assim. E basta. Gestão, para ele, é a arte da cartomancia, meter a papelada no bolso e contornar as leis. "Filú" é uma teoria!
B) CABO VERDE DESLIGADO DO MUNDO
Durante mais de uma semana, Cabo Verde ficou sem contactos com o exterior. Os prejuízos são avultados. Para os cidadãos e empresários. E, sobretudo, para a imagem do país. Como Thomas Friedman sublinhou, um país, hoje, precisa de uma boa "imagem de marca". Ora, Cabo Verde, nestes dias, passou a imagem de uma nação desleixada, atrasada e pouco precupada com o futuro. "O Haiti é aqui", dir-se-ia, face à situação verificada. O Governo não disse quase nada, assobiando para o lado com aquela graciosidade de burlão. Como é que uma multinacional (vamos supor: a "General Motors" ou a "Nestlé") vai investir num país que, de repente, fica mais de uma semana sem Internet e sem contactos com o exterior? Eis o Cabo Verde "competitivo", na cabeça bem pensante do sr. José Maria Neves! Um absurdo. A Globalização, de que tanto se fala, é a Web, as telecomunicações, a multimédia. A "Galáxia Internet", na síntese de um Manuel Castells. Ou sim, ou sopas.
C) O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
O Presidente da República, numa infeliz declaração, sugere aos partidos políticos a revisão do artigo 37.º da Constituição. Não faz qualquer sentido, pelo menos com os argumentos avançados. Pedro Pires, que sempre assinou, de cruz, todos os diplomas flagrantemente inconstitucionais do Governo, mostra, mais uma vez, a sua face, a face de um homem da ditadura, que nunca foi amigo dos Direitos Fundamentais. A "djagacida" jurídico-constitucional sugerida pelo nobre cavalheiro, supremo magistrado da nação, não leva em conta que a "ratio" do artigo 37.º é proteger o cidadão cabo-verdiano, e não fomentar a impunidade. O cidadão cabo-verdiano não pode ser EXTRADITADO, mas, havendo provas, será JULGADO e, sendo o caso, CONDENADO pelos tribunais CABO-VERDIANOS. A Constituição é muito clara. O resto é com o Governo, que, no uso das suas normais competências, deve criar todas as condições para a segurança prisional, etc. O Governo deve investir, sim, nas polícias e nos novos meios de segurança.
Quanto ao MpD, não deve embarcar nesse disparate proposto pelo Presidente. Aliás, o jornal oficioso do PAICV ("A Semana") foi muito mais longe, sugerindo a revisão, imaginem!, do próprio artigo 285.º da Constituição da República, norma que garante a "blindagem" da Constituição material, mormente em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias. A Lei Fundamental não deve ser usada, em caso algum, como "bode expiatório" da ineficácia da política de segurança pública, ou arma de chantagem política, numa democracia ainda incipiente e com imensas fragilidades.
Todos os cientistas políticos (ou, pelo menos, os mais representativos) afirmam que a cultura da Constituição ajuda a consolidar a democracia. Ademais, a posição de Pedro Pires não é sincera. Se a intenção de Pires é combater o crime jamais avalizaria, como avalizou, esse cartel de criminosos que é o "Movimento dos Países Não Alinhados", onde pontificam carniceiros da estirpe de um Fidel Castro, Ahmadinejad, Kim Jong Il ou Kadhafi, o terrorista da Líbia, sem contar com as adjacências desse torpe organismo internacional, tais como as FARC (bando de narcotraficantes da Colômbia), Hugo Chávez ou o fajuto Robert Mugabe. Outrossim, porque é que o "preocupado" Pedro Pires nunca se opôs, enquanto Presidente da República, à entrada de criminosos no Governo de sua excelência José Maria Neves? O que é que ele fez relativamente à prática sistemática da fraude eleitoral? Tomou medidas? Alguma vez questionou o Governo sobre a pouca-vergonha que é admitir "personalidades" com reputação não ilibada no seu seio? Onde? Quando? Algum dia ele agiu como efectivo "guardião da Constituição"? Nunca. Até prova em contrário, o digníssimo magistrado só se "preocupa" quando o assunto é restringir direitos e atacar a Constituição da República. É o caminho para a tirania. "Step by step".
D) PARA JÁ, O ACTUAL GOVERNO NÃO É LÁ MUITO CONFIÁVEL
Para já, o actual Governo não é lá muito confiável, e este é um facto inegável. Certamente estão lembrados do cidadão congolês, expulso, pelo Ministro da Administração Interna, segundo notícias vindas a público, de Cabo Verde, sabendo que a nossa Constituição não permite, em caso algum, a extradição para um país que aplica a pena de morte (como é o caso da República do Congo). O Presidente da República não tugiu nem mugiu. É isso a "magistratura de influência"? Quem nos garante que, amanhã, havendo a tal "revisão" da Constituição, não manterá a mesma postura, o mesmo silêncio democrático? O Ministro da Justiça, José Manuel Andrade, por sua vez, na última edição do "A Semana" (20 de Abril de 2007), caiu numa mui estranha contradição. Por um lado, afirmou, ipsis verbis, que "não faz sentido" a extradição para um país que aplica a pena de morte ou a prisão perpétua. Mas, um pouco mais à frente, diz que Cabo Verde "precisa de aderir", como se fosse um mandamento divino, ao Tribunal Penal Internacional (TPI). Será que o Ministro não sabe que o TPI aplica a prisão perpétua? Enfim, assim vai a diatribe oficial: muita parra, mas pouca uva! O que o pessoal devia fazer, para começar, era ler a excelente síntese do Dr. Jorge Carlos Fonseca, o maior penalista cabo-verdiano, internacionalmente reconhecido: "O sistema prisional face às organizações criminosas: um olhar a partir da Constituição penal global", separata da Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 3, Julho-Setembo de 2006. É uma luz ao fundo do túnel da...cultura totalitária.
E) PRAIA DA QUEBRA-CANELA
A Rádio de Cabo Verde noticia algo preocupante: durante dois dias, junto à praia da Quebra-Canela, mais de 2400 toneladas de águas residuais são lançadas directamente ao mar, sem qualquer preocupação ecológica. Assim, à bruta, pondo em causa o frágil ecossistema e o direito (constitucional) a um ambiente saudável e bem ordenado. As cassandras do regime dizem que é por causa da "reparação" da ETAR. "O Haiti é aqui"...
F) INSTALAÇÃO DOS NOVOS MUNICÍPIOS
Instalação dos novos municípios. Há um debate na Assembleia. O Governo esquiva-se como um rato, sem explicar o incumprimento do Programa de Instalação. As novas Comissões Instaladoras funcionam, aliás, numa atmosfera meio siciliana, não apresentam balancetes trimestrais, contratam "funcionários" à margem da lei, ostentam o patrimonialismo selvagem e dão emprego à rapaziada e aos gaviões do partido. A torto e a direito. Ninguém faz nada. Nem sequer uma "magistraturazinha" de influência! É a mamata à custa do erário público, meu bem!...
A lista é longa e a corrupção infinita! Mas, por ora, fiquemos por aqui. Vou deixar-vos, neste ponto, com as novidades do além-mar, marcadas pelas eleições em França e pela morte de Boris Ieltsin, o homem que ajudou a derrubar a URSS e o totalitarismo comunista. Infelizmente, a transição russa anda a passo de caracol, mas a democracia constitucional (e a economia do mercado) é um longo caminho que merece ser percorrido. Pelos homens de boa vontade.
O texto de Claudio Téllez, produzido ainda antes das eleições francesas do passado Domingo, foi publicado no Mídia Sem Máscara. Mas é uma análise acutilante que conserva toda a sua pertinência, traçando cenários e clarificando programas. Trata-se de um comentário perspicaz, abordando a história, a diplomacia, a economia e a própria geopolítica. Boa leitura!
O REI (OU A RAINHA) DOS FRANCOS
Por Claudio Andrés Téllez, em 24 de Abril de 2007
Em Outubro do ano 732 d.C., Charles Martel ("o Martelo"), liderando os francos, derrotou, na célebre Batalha de Tours, os invasores muçulmanos vindos da Espanha. O episódio significou, para diversos historiadores, o início da vitória da Cristandade sobre o Islão. De acordo com o historiador militar britânico Sir Edward Creasy (1812-1878), "a vitória de Charles Martel (...) deu um xeque decisivo à carreira das conquistas árabes na Europa Ocidental, resgatou a Cristandade do Islão, preservou as relíquias da civilização antiga e os germes da civilização moderna".
Sobre a afirmação de Sir Edward Creasy, devemos destacar o final, a preservação dos germes da civilização moderna. O resultado da Batalha de Tours garantiu as bases para o Renascimento Carolíngio e foi nesse período, sob o reinado de Carlos Magno (de 771 a 814 d.C.), que surgiu a civilização europeia, fundamentada no passado romano, no modo de vida germânico e na religião cristã. Quando, nos séculos IX e X, a Europa sofreu novas e devastadoras invasões dos vikings, magiares e muçulmanos, as bases civilizacionais europeias já estavam assentadas. Mesmo após o declínio do Império Carolíngio, os monges católicos preservaram a vida intelectual, a educação europeia e a cultura ocidental, garantindo a recuperação da Europa após mais de um século de invasões bárbaras.
Hoje, 22 de Abril de 2007, os franceses estão acudindo às urnas para a eleição do sucessor do presidente Jacques Chirac. Dentre os doze candidatos - que ocupam um espectro que vai desde o nacionalismo visceral até o trotskismo -, há somente quatro que têm possibilidades de ir para o segundo turno e obter a vitória: o direitista Jean-Marie Le Pen, do partido Frente Nacional, o centrista-liberal François Bayrou, da União para a Democracia Francesa (UDF), a socialista Ségolène Royal, do Partido Socialista, discípula de François Mitterrand, e o centro-direitista Nicolas Sarkozy, do partido União por um Movimento Popular (UMP).
A campanha eleitoral deste ano manteve o foco sobre as questões da saúde económica doméstica, a reforma das políticas sociais, a imigração, a identidade nacional e as relações com os Estados Unidos. A ênfase, contudo, foi colocada nas questões internas, especialmente na insustentabilidade do modelo económico actual, no problema do desemprego, no baixo crescimento económico e na imigração muçulmana. Economicamente, Jacques Chirac deixa a França numa situação melhor do que a recebeu, pelo menos para os padrões da Europa continental. Contudo, a economia francesa caminha rapidamente para a esclerose. Na faixa de 25 a 49 anos, o desemprego caiu mais de dois pontos percentuais desde que Chirac chegou ao poder; mas a taxa ainda é muito elevada (acima de 21%) para a parcela da população situada abaixo de 25 anos. O crescimento francês, no período de Chirac, foi em média de 2.1%. É um número significativamente maior do que o crescimento alemão (1.5%), porém a França ainda fica atrás da Inglaterra e dos Estados Unidos. Alarmante, entretanto, é o tamanho da dívida pública, que aumentou de maneira indecente durante o Governo de Chirac e que actualmente ocupa mais de dois terços do PIB do país.Uma das maiores preocupações do eleitorado francês é a elevada taxa de desemprego, uma das mais altas da União Europeia e, tal como no resto do bloco, decorrente em grande parte da insistência no modelo económico de "welfare state" e da excessiva rigidez no mercado de trabalho. O problema do desemprego fragiliza a ordem social, já que as pessoas mais jovens enfrentam muitas dificuldades para conseguir trabalho. Apesar da arraigada aversão que os franceses ostentam orgulhosamente com relação ao "sistema económico anglo-saxónico", já começa a surgir um ponto pacífico tanto à esquerda quanto à direita: é necessário reaquecer o mercado de trabalho francês.
Outro assunto que sem dúvida fará a diferença no resultado das eleições presidenciais deste ano é a questão migratória. A maneira de lidar com os imigrantes é um tema central para o interesse nacional de qualquer Estado-nação. Trata-se de algo tão importante que contribuiu decisivamente para a chegada de Le Pen, o patinho feio da política francesa, ao segundo turno das eleições presidenciais de 2002, derrotando o socialista Lionel Jospin. Na sua campanha de 2002, Le Pen atribuiu o crescente desemprego à invasão migratória.
O impacto da imigração e da integração não é um problema exclusivamente francês. A União Europeia capta um excesso de imigrantes de baixa qualificação, geralmente originários de países árabes, o que afecta a cultura e o modo de vida europeus. A intensa migração, além de incrementar o desemprego, pressiona as infra-estruturas e os mecanismos de assistência social nos países economicamente desenvolvidos. Além disso, abre espaço para a penetração de elementos hostis às sociedades hospedeiras, configurando um problema de segurança. Temos o exemplo recente do cineasta Theo van Gogh, vitimado na Holanda pelo radicalismo islâmico, em 2004. O assassino, Mohammed Bouyeri, descendente de imigrantes, nasceu na Holanda, porém possui dupla cidadania (holandesa e marroquina) e agiu motivado pelo fundamentalismo religioso.
Em pesquisa recente do jornal Le Figaro, 56% dos entrevistados consideraram a imigração como um tema importante para o próximo Governo. Isso contribui para que o debate eleitoral também gire em torno da identidade francesa e do orgulho nacional. Ségolène Royal mostra-se entusiasmada com a ideia de que todos os franceses tenham a sua bandeirinha em casa. Com relação aos imigrantes, em entrevista recente à radio RTL, Royal afirmou-se favorável à amnistia para todos os estrangeiros ilegais que têm filhos estudando em escolas na França. Como na França é obrigatório que as crianças estejam nas escolas, a proposta de Royal significa a amnistia para todos os imigrantes ilegais que têm prole.
Já Nicolas Sarkozy é mais realista quanto ao tratamento que deve ser dispensado aos imigrantes. Ele reconhece a imigração como um assunto de segurança nacional e pretende tornar mais difícil a presença dos imigrantes ilegais no país, por exemplo, facilitando a sua expulsão e dificultando a reunião das suas famílias. Contudo, reconhece que a imigração pode ser benéfica, desde que os imigrantes se comprometam com os valores franceses, trabalhem pelo seu dinheiro e respeitem as leis. Ora, o que Sarkozy está fazendo é simplesmente afirmar os princípios básicos da soberania do seu país. Diante disso, os críticos que rotulam Sarkozy de "racista" ou "xenófobo" acabam apenas demonstrando ingenuidade ou demagogia.
Como o debate eleitoral tem-se concentrado nas questões internas, vale a pena comentar como o resultado das eleições francesas repercutirá no sistema internacional. Alguns assuntos centrais, e que têm recebido pouca atenção, são o futuro da integração europeia, as relações da França com os Estados Unidos e a interacção com o mundo islâmico.
Ségolène Royal encarna o espírito francês contemporâneo, ao proferir críticas duras e ácidas contra as políticas dos Estados Unidos no Oriente Médio, ao pedir à Inglaterra que escolha entre a Europa ou um futuro como país "vassalo da América" (declaração que mereceria uma resposta no programa "Monty Python's Flying Circus", se a série não tivesse terminado em 1973) e ao defender que a integração europeia significará um contrapeso ao poderio norte-americano.
Apesar do Joseph Nye, professor da universidade de Harvard, defender que as relações franco-americanas deverão melhorar, qualquer que seja o candidato eleito (Ségolène Royal, Nicolas Sarkozy ou François Bayrou), no caso de uma vitória de Royal, o seu anti-globalismo exacerbado e o seu apego excessivo ao proteccionismo (num momento em que a França já é - ou pelo menos deveria ser - um país forte) parecem indicar que o seu Governo levaria a Europa a fechar-se mais ainda na própria Europa, o que talvez represente um reaquecimento do processo de integração europeu depois da derrota do projecto de constituição, rejeitado em plebiscito pelos franceses em 2005.
Já Nicolas Sarkozy não esconde a sua admiração por diversos aspectos da sociedade norte-americana, em particular a ênfase dada à meritocracia como ética do trabalho. O candidato declara-se a favor da globalização, sente afinidades com a "maior democracia do mundo", é solidário para com Israel e afirma ser necessário trabalhar em parceria com os Estados Unidos numa agenda global. É claro que, à frente de um possível Governo, Sarkozy enfrentaria dura oposição interna às suas posições pró-Estados Unidos e pró-Israel.
Uma possível vitória dos democratas nas próximas eleições norte-americanas pode significar um fortalecimento dos laços entre os Estados Unidos e a Europa no âmbito de uma política externa mais voltada para o multilateralismo. Sarkozy é favorável ao fortalecimento da aliança transatlântica, porém não deixa de manter-se firme nas suas posições de desacordo com os Estados Unidos, por exemplo, ao afirmar-se contrário à aceitação da Turquia como membro da União Europeia.
Com relação ao mundo islâmico, devemos recordar que, apesar da França ter-se manifestado contrária à guerra no Iraque, em 2003, no ano passado o terrorista egípcio Ayman al-Zawahiri, da rede Al-Qaeda, ameaçou a França e solicitou ajuda dos extremistas argelinos do Grupo Salafista de Pregação e Combate (GSPC) para que o país "cruzado" e "aliado" dos Estados Unidos seja atacado e punido pela sua traição e apostasia. Para os radicais islâmicos, a França é parte da civilização ocidental e a memória da humilhação que os muçulmanos sofreram, quando foram esmagados pelos exércitos de Charles Martel, no ano 732 d.C., ainda está viva.
Para os Estados Unidos, uma vitória de Sarkozy poderia significar uma melhoria das relações entre Paris e Washington, após décadas de olhares gélidos. Como os Estados Unidos já contam com um relativo apoio da chanceler alemã, Angela Merkel, uma postura francesa mais amigável pode contribuir para o fortalecimento dos laços internos no Ocidente e para o surgimento de um contrapeso às novas potências globais que estão emergindo no continente eurasiano.
Nicolas Sarkozy não esconde que ele sonha com uma França onde os alunos chamam os professores de "senhor", onde as escolas ensinem valores morais e onde a meritocracia garanta que o trabalho recompensa. Para Sarkozy, a França precisa de um novo Renascimento e não deve "renunciar os 2 000 anos de civilização e herança cristã". Através de uma reintegração do Ocidente, mediante a promoção dos valores e da cultura que caracterizam a identidade ocidental, as semelhanças que existem dos dois lados do Atlântico podem voltar a tornar-se mais decisivas do que as diferenças. Nesse sentido, uma possível vitória de Sarkozy pode realmente significar o início de um novo "Renascimento Carolíngio".
Quem será o próximo rei (ou rainha) dos francos? Nada está decidido e só teremos uma resposta definitiva nas próximas semanas. Seja qual for o caminho que os franceses escolherem, vivemos num mundo cada vez mais competitivo, onde as ameaças à segurança são mais complexas e no qual novos actores, vindos do Oriente, estão configurando rapidamente uma nova estrutura para o sistema internacional. Neste mundo novo, a sobrevivência da pequena aldeia gaulesa dependerá da coragem e da sabedoria do próximo governante: coragem para tomar as decisões necessárias para reverter o processo de estagnação económica pelo qual a França está passando, e sabedoria para assumir que não estamos mais no século XX e que as dinâmicas internacionais do século XXI não deixam muito espaço para paroquialismos.

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Jurista e Docente Universitário

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