segunda-feira, 22 de maio de 2006

JUSTIÇA E IRONIA: O CASO DE GERMANO ALMEIDA

Germano Almeida, numa nota salpicada de humor castiço, reduziu a “greve de fome” (o tal “crime” contra os direitos humanos, na formulação de uma magnífica senhora da CNDHC: ai se a moda pega!) a uma questão de “comer ou não comer”… “Hoje há gente – escreveu ele – que se dispõe a morrer de fome por recusar comer”… Ora, trata-se de uma interpretação manifestamente grosseira!... Quem criticou a decisão do tribunal foi, sim, o jurisconsulto Geraldo Almeida, aliás, de forma rigorosa e fundamentada, facto que mereceu a concordância de muito boa gente

Germano Almeida, numa nota salpicada de humor castiço, reduziu a “greve de fome” (o tal “crime” contra os direitos humanos, na formulação de uma magnífica senhora da CNDHC: ai se a moda pega!) a uma questão de “comer ou não comer”. O artigo dele foi dado à estampa no jornal “A Semana”, n.º 760, de 19 de Maio.
“Hoje há gente – escreveu ele – que se dispõe a morrer de fome por recusar comer”. Como se tudo fosse um acto pueril. Ora, trata-se de uma interpretação manifestamente grosseira! A greve deixa de ser uma manifestação legítima da Liberdade individual, aspecto bem frisado pelo jurisconsulto Jorge Carlos Fonseca, autor material do novo Código Penal cabo-verdiano, para passar a ser uma charada biológica, assente no dilema “encher ou não encher a pança”. Do ponto de vista estético, é uma piada pouco sofisticada. Do ponto de vista jurídico e humanista, é a reedição de um dos piores disparates das ditaduras e dos totalitarismos. O ser humano é degradado e reduzido ao seu aspecto meramente biológico, como se não tivesse um Espírito e uma dignidade transcendente e inviolável; como se as revoluções liberais do século XVIII não tivessem estabelecido o primado da consciência individual sobre o capricho dos poderes; como se não existisse a Declaração Universal dos Direitos do Homem, para além das raças, dos preconceitos e da ignorância resistente e “institucionalizada”.
O protesto dos grevistas/empresários dirigiu-se, como eles sempre afirmaram, contra a Câmara Municipal da Praia e a CVC, após a celebração de um negócio pouco transparente, cujos meandros não foram esclarecidos, violando o seu direito de preferência e desrespeitando os seus investimentos, fruto de anos de labor honesto. Se alguém “legitimou” a desordem municipal, isso não é culpa deles. “Suum cuique tribuere”, eis a virtude decisiva da arte jurídica.
Quem criticou a decisão do tribunal foi, sim, o jurisconsulto Geraldo Almeida, aliás, de forma rigorosa e fundamentada, facto que mereceu a concordância de muito boa gente. As decisões judiciais (e o mundo jurídico em geral) não estão acima da crítica. Seria utópico pensar o contrário. Basta ler, nesse sentido, “O Mercador de Veneza”, retrato cintilante de uma condição humana cujo horizonte não é, nem nunca foi, a aurora da perfeição. O Estado moderno é uma forma civilizada de convivência que não dispensa a seiva da crítica e da vigilância esclarecida.
Quanto ao mais, concordo com Germano. A justiça cabo-verdiana é lenta e ineficiente, causando dissabores mil aos cidadãos, ao arrepio do artigo 21.º, n.º 1, da Constituição da República, que impõe à magistratura a obrigação de decidir em prazo razoável. O mais grave, contudo, é quando se deixa, por força de um mistério inexplicável, prescrever processos (judiciais) envolvendo marajás e nababos ligados ao poder político, como sucedeu recentemente, numa justiça de funil que envergonha sobremaneira o Estado democrático. Mas isso não incomodou o douto jurista e autor de “Dona Pura e os Camaradas de Abril”! Assunto menor? Ou será apenas memória selectiva de um “intelectual orgânico” do PAICV? O que será, que será?

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Jurista e Docente Universitário

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