E SE HOBBES VISITASSE BISSAU?
Os acontecimentos dramáticos ocorridos na Guiné-Bissau
convocam, sem dúvida, o pensamento crítico e um olhar atento sobre a governação
em África e os caminhos da paz, regional e mundial.
Há um facto simples que paira acima do caos aparente e do
alucinante alinhamento mediático das “notícias”: o exército como símbolo da
destruição de uma sociedade civil[1].
Em vez de funcionar como factor de ordem constitucional, a
“tropa”, numa dantesca inversão dos papéis, fomenta a desordem e a
instabilidade. O que é isso? Uma simples “gaffe” jurídica?
Não, trata-se de um problema político mais profundo.
O catálogo local de golpes, ligações ao narcotráfico e
traições políticas não deve aprisionar o pensamento num “paroquialismo”
empobrecedor.
É necessário descer para aí uns três séculos e tentar
compreender como se contrói a estabilidade num país. Medir, enfim, a distância
entre o estado da natureza e o Estado.
Huntington, num livro esquecido de 1968 (A ordem política
nas sociedades em mudança), criticando Kwame Nkrumah, tocara no aspecto
decisivo: ao contrário da suposição romântica, o “bom governo” não é descoberto.
Este fora, aliás, o grande equívoco de um certo
nacionalismo autoritário, com o seu rendilhado burocrático que entravava, em
larga medida, o investimento estrangeiro e a redução do desemprego.
O “reino político” é construído e não achado.
Na Europa, a partir da paz de Westefália (1648), a atenção
dos estadistas e homens públicos mais esclarecidos voltou-se, justamente, para o
difícil problema da “construção de Estados”. Uma rica tradição filosófica
formou-se neste domínio.
A guerra não é necessariamente um mal africano. O
“fetichismo” mediático é insustentável.
De Thomas Hobbes a Clausewitz, ela atormentou a consciência
crítica e mobilizou, num gesto de cidadania, os “antídotos” necessários.
Combate-se pela guerra; combate-se também pela paz. Trata-se de uma opção
fundamental dos povos e das suas elites.
Em África, mais de trinta anos após as independências,
discute-se sobretudo a “ajuda” externa. As instituições, as verdadeiras
fundações da prosperidade, são esquecidas.
Acredita-se, por isso, num “príncipe” qualquer ao virar da
esquina. Hum!, a boa fé das nações...
Em África confia-se, antes de tudo, na magia[2] dos
políticos.
Quando é que se discutirá a política?
[1] A sociedade civil é um fenómeno extraordinário: é o
patamar de exigência em que aquele que possui a “espada” se submete ao cidadão
desarmado. Para mais informações, ver Ernest Gellner, Conditions of liberty:
civil society and its rivals, Penguin Books, 1996.
[2] De vinte em vinte anos, lá aparece um Mugabe perspicaz
a prometer um “mundo novo” à população...
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