segunda-feira, 9 de março de 2009

E SE HOBBES VISITASSE BISSAU?

Os acontecimentos dramáticos ocorridos na Guiné-Bissau convocam, sem dúvida, o pensamento crítico e um olhar atento sobre a governação em África e os caminhos da paz, regional e mundial.

Há um facto simples que paira acima do caos aparente e do alucinante alinhamento mediático das “notícias”: o exército como símbolo da destruição de uma sociedade civil[1].
Em vez de funcionar como factor de ordem constitucional, a “tropa”, numa dantesca inversão dos papéis, fomenta a desordem e a instabilidade. O que é isso? Uma simples “gaffe” jurídica?
Não, trata-se de um problema político mais profundo.
O catálogo local de golpes, ligações ao narcotráfico e traições políticas não deve aprisionar o pensamento num “paroquialismo” empobrecedor.
É necessário descer para aí uns três séculos e tentar compreender como se contrói a estabilidade num país. Medir, enfim, a distância entre o estado da natureza e o Estado.
Huntington, num livro esquecido de 1968 (A ordem política nas sociedades em mudança), criticando Kwame Nkrumah, tocara no aspecto decisivo: ao contrário da suposição romântica, o “bom governo” não é descoberto.
Este fora, aliás, o grande equívoco de um certo nacionalismo autoritário, com o seu rendilhado burocrático que entravava, em larga medida, o investimento estrangeiro e a redução do desemprego.
O “reino político” é construído e não achado.
Na Europa, a partir da paz de Westefália (1648), a atenção dos estadistas e homens públicos mais esclarecidos voltou-se, justamente, para o difícil problema da “construção de Estados”. Uma rica tradição filosófica formou-se neste domínio.
A guerra não é necessariamente um mal africano. O “fetichismo” mediático é insustentável.
De Thomas Hobbes a Clausewitz, ela atormentou a consciência crítica e mobilizou, num gesto de cidadania, os “antídotos” necessários. Combate-se pela guerra; combate-se também pela paz. Trata-se de uma opção fundamental dos povos e das suas elites.
Em África, mais de trinta anos após as independências, discute-se sobretudo a “ajuda” externa. As instituições, as verdadeiras fundações da prosperidade, são esquecidas.
Acredita-se, por isso, num “príncipe” qualquer ao virar da esquina. Hum!, a boa fé das nações...
Em África confia-se, antes de tudo, na magia[2] dos políticos.
Quando é que se discutirá a política?
[1] A sociedade civil é um fenómeno extraordinário: é o patamar de exigência em que aquele que possui a “espada” se submete ao cidadão desarmado. Para mais informações, ver Ernest Gellner, Conditions of liberty: civil society and its rivals, Penguin Books, 1996.
[2] De vinte em vinte anos, lá aparece um Mugabe perspicaz a prometer um “mundo novo” à população...

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Jurista e Docente Universitário

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