CULTURA E IDEIA DE PROGRESSO*
É esse o ponto (essencial) que o Dr. Corsino estranhamente
omite: o “progresso”, na óptica de Amílcar, tinha uma linha ideológica, uma
justificação claríssima. O Partido Único, a “democracia nacional
revolucionária”, os tribunais “populares” (ao estilo cubano e soviético), a
supressão das liberdades individuais, a economia estatizada, etc., são alguns
componentes desse plano grandioso. A receita do atraso e do subdesenvolvimento.
É isso que está escrito na obra de Amílcar Cabral, por mais voltas que Corsino e
outros mais, num fabuloso jogo de astúcias, queiram dar.
Corsino Tolentino, um homem inteligente, deu, na semana
passada, uma entrevista ao Expresso das Ilhas, acerca da “cultura no pensamento
de Amílcar Cabral”.
Conduzida pelo jornalista António Monteiro, a peça traz
coisas boas e interessantes (“interessantes ao máximo”, diria Lenine).
Para o Dr. Corsino, Cabral tinha um conceito “total e
complexo” de cultura, próximo da perspectiva de um Edward Tylor.
Direi apenas o seguinte: o conceito de cultura, na obra de
Amílcar, é claramente um conceito normativo.
O ilustre entrevistado (embora não o diga expressamente)
tem, aliás, plena consciência disso, quando pronuncia estas palavras: “...a
definição que Cabral daria de cultura é quase tão ampla como a criação
humana”.
A cultura é um trabalho consciente, com um sentido
marcadamente teleológico, “...realizando o progresso”.
E só se atinge o bendito progresso combatendo, voilà!,
“hábitos e práticas negativas” (sic).
A cultura, em Amílcar Cabral, é, dir-se-ia então, o
aperfeiçoamento gradual do Homo Sapiens, ou seja, como explica o antigo Ministro
da Educação, “...tudo aquilo que o ser humano cria na perspectiva de melhorar a
vida”.
A ideia de “progresso” é, deste modo, o fio condutor da
disquisição cabraliana. É a norma.
A bitola que orienta, enfim, toda a produção material e
simbólica.
Muito bem!
Mais à frente, Corsino Tolentino começa, porém, a meter o
pé na argola. O jornalista, de forma subtil, recorda-lhe a “formação marxista”
de Amílcar.
Corsino, num golpe discursivo premeditado, desvia a
atenção. Pensa um pouco; tenta uma saída airosa. Glu, glu, glu!
Afirma, de forma elegante, que Cabral foi “fundamentalmente
um humanista”. E um “evolucionista”.
A fuga é perspicaz, mas esconde muita coisa. O Marxismo
sempre se definiu como um “humanismo” ou, como dizia Sartre, a “filosofia
insuperável”.
É esse o ponto (essencial) que o Dr. Corsino estranhamente
omite: o “progresso”, na óptica de Amílcar, tinha uma linha ideológica, uma
justificação claríssima.
O Partido Único, a “democracia nacional revolucionária”, os
tribunais “populares” (ao estilo cubano e soviético), a supressão das liberdades
individuais, a economia estatizada, etc., são alguns componentes desse plano
grandioso.
A receita do atraso e do subdesenvolvimento.
É isso que está escrito na obra de Amílcar Cabral, por mais
voltas que Corsino e outros mais, num fabuloso jogo de astúcias, queiram
dar.
O “humanismo” de Cabral girava à volta da ditadura e da
prestação de vassalagem ao partido-Estado, a “vanguarda revolucionária”.
O “progresso” (surpresa!) era o socialismo
totalitário.
*Dedico este artigo às vítimas do 31 de Agosto em Santo
Antão e, em geral, àqueles que, em silêncio mas de forma abnegada, lutaram pela
Justiça e Liberdade, valores perenes, enfrentando a fúria de uma ideologia
psicótica e revolucionária.
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