segunda-feira, 31 de agosto de 2009

CULTURA E IDEIA DE PROGRESSO*

É esse o ponto (essencial) que o Dr. Corsino estranhamente omite: o “progresso”, na óptica de Amílcar, tinha uma linha ideológica, uma justificação claríssima. O Partido Único, a “democracia nacional revolucionária”, os tribunais “populares” (ao estilo cubano e soviético), a supressão das liberdades individuais, a economia estatizada, etc., são alguns componentes desse plano grandioso. A receita do atraso e do subdesenvolvimento. É isso que está escrito na obra de Amílcar Cabral, por mais voltas que Corsino e outros mais, num fabuloso jogo de astúcias, queiram dar.

Corsino Tolentino, um homem inteligente, deu, na semana passada, uma entrevista ao Expresso das Ilhas, acerca da “cultura no pensamento de Amílcar Cabral”.
Conduzida pelo jornalista António Monteiro, a peça traz coisas boas e interessantes (“interessantes ao máximo”, diria Lenine).
Para o Dr. Corsino, Cabral tinha um conceito “total e complexo” de cultura, próximo da perspectiva de um Edward Tylor.
Direi apenas o seguinte: o conceito de cultura, na obra de Amílcar, é claramente um conceito normativo.
O ilustre entrevistado (embora não o diga expressamente) tem, aliás, plena consciência disso, quando pronuncia estas palavras: “...a definição que Cabral daria de cultura é quase tão ampla como a criação humana”.
A cultura é um trabalho consciente, com um sentido marcadamente teleológico, “...realizando o progresso”.
E só se atinge o bendito progresso combatendo, voilà!, “hábitos e práticas negativas” (sic).
A cultura, em Amílcar Cabral, é, dir-se-ia então, o aperfeiçoamento gradual do Homo Sapiens, ou seja, como explica o antigo Ministro da Educação, “...tudo aquilo que o ser humano cria na perspectiva de melhorar a vida”.
A ideia de “progresso” é, deste modo, o fio condutor da disquisição cabraliana. É a norma.
A bitola que orienta, enfim, toda a produção material e simbólica.
Muito bem!
Mais à frente, Corsino Tolentino começa, porém, a meter o pé na argola. O jornalista, de forma subtil, recorda-lhe a “formação marxista” de Amílcar.
Corsino, num golpe discursivo premeditado, desvia a atenção. Pensa um pouco; tenta uma saída airosa. Glu, glu, glu!
Afirma, de forma elegante, que Cabral foi “fundamentalmente um humanista”. E um “evolucionista”.
A fuga é perspicaz, mas esconde muita coisa. O Marxismo sempre se definiu como um “humanismo” ou, como dizia Sartre, a “filosofia insuperável”.
É esse o ponto (essencial) que o Dr. Corsino estranhamente omite: o “progresso”, na óptica de Amílcar, tinha uma linha ideológica, uma justificação claríssima.
O Partido Único, a “democracia nacional revolucionária”, os tribunais “populares” (ao estilo cubano e soviético), a supressão das liberdades individuais, a economia estatizada, etc., são alguns componentes desse plano grandioso.
A receita do atraso e do subdesenvolvimento.
É isso que está escrito na obra de Amílcar Cabral, por mais voltas que Corsino e outros mais, num fabuloso jogo de astúcias, queiram dar.
O “humanismo” de Cabral girava à volta da ditadura e da prestação de vassalagem ao partido-Estado, a “vanguarda revolucionária”.
O “progresso” (surpresa!) era o socialismo totalitário.
*Dedico este artigo às vítimas do 31 de Agosto em Santo Antão e, em geral, àqueles que, em silêncio mas de forma abnegada, lutaram pela Justiça e Liberdade, valores perenes, enfrentando a fúria de uma ideologia psicótica e revolucionária.

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Jurista e Docente Universitário

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