sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O problema da pobreza: entre o reducionismo atávico e a compreensão integral (moral, religiosa, económica e política)- 2ª parte

Em virtude do incrível aumento da produção e da prosperidade geral crescente, as previsões apocalípticas de Malthus não se confirmaram. A prédica era interessante: "Enquanto os recursos crescem numa progressão aritmética, a população cresce numa progressão geométrica".
Mas nada disso aconteceu. Hayek chama a atenção para um facto decisivo: a relação entre o aumento da população e a melhoria das condições de vida. A Inglaterra tinha, em 1801, nove milhões de habitantes; em 1851, tinha já dezoito milhões.
A introdução de máquinas na agricultura aumentou o "stock" de alimentos disponíveis.
Registaram-se, também, grandes progressos na medicina: bactericidas, antibióticos, etc.
Tudo isso é, contudo, uma pequena parte da história.
Ouçamos David Landes: "O aumento considerável da esperança de vida nos dias de hoje deve-se mais às conquistas na área preventiva e à disseminação dos hábitos de higiene...Água limpa e rápida remoção de lixo, aliadas a mais asseio pessoal, marcaram a diferença".

A infeccão gastrintestinal era uma das doenças mais perigosas; uma calamidade pública. A falta de papel higiénico e de roupas interiores laváveis favorecia, em épocas recuadas, a contaminação (via contacto com dejectos, etc.).

A resposta foi encontrada, explica Landes, "...na inovação industrial. O principal produto da nova tecnologia que conhecemos como a revolução industrial foi o algodão barato e lavável; e, paralelamente, a produção em massa de sabão feito de óleos vegetais.

Pela primeira vez, o homem comum podia dar-se ao luxo de adquirir roupa interior, outrora conhecida como ‘roupa branca', porque era feita de linho, o tecido lavável que as pessoas abastadas usavam junto à pele.
O indivíduo podia lavar-se com sabão...A higiene pessoal mudou tão drasticamente que as pessoas comuns, dos finais do século XIX e início do século XX, viviam em geral com maior asseio do que os reis e rainhas do século anterior".

O bem-estar e a Riqueza das Nações cresceram de uma forma admirável. As fomes cíclicas e colectivas desapareceram, pelo menos nos espaços geográficos atingidos pelo fulgor do novo e criativo sistema económico.

Houve um crescimento surpreendente da oferta de alimentos e uma melhoria substancial dos transportes. A riqueza produzida podia circular com facilidade e servir, assim, um maior número de pessoas.
Resultado: uma dieta alimentar mais rica, uma vida mais feliz e saudável; mil necessidades satisfeitas. O rendimento per capita aumentou consideravelmente.
A mudança social foi de tal ordem que, décadas mais tarde, a retórica anticapitalista foi obrigada a dar uma volta de 360 graus.
Assim, abandonando, por instantes, a falácia marxista de que "os pobres estão a ficar mais pobres", os intelectuais ressentidos, mestres supremos da arte dialéctica, passaram a criticar a "alienação" que o sistema provoca, ao produzir cidadãos obcecados com o "consumo e o supérfluo". Já não se pode alegar o "empobrecimento das massas"? Critique-se, então, o seu estúpido enriquecimento! É esta a linha dos Marcuses e companhia.
O sistema da "liberdade natural" funciona, hoje, em vários continentes, sempre com resultados apreciáveis. Não se ignora o passivo. Mas as suas vantagens compensam largamente os inconvenientes.

O capitalismo é o pior sistema económico, exceptuando todos os outros.

Marx, no Manifesto Comunista, imaginou um mundo medieval idílico que nunca existiu. Partindo de um diagnóstico errado, só podia produzir uma terapêutica desastrosa.
O socialismo totalitário, nos sítios infelizes onde se implantou, apenas produziu miséria, opressão e atraso tecnológico.
Cuba e a Venezuela de Chavez são exemplos cintilantes de uma filosofia irrealista (o "ópio dos intelectuais") e contrária à dignidade humana.
A economia de mercado possui, na verdade, como mostrou também o Prof. João César das Neves (http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1138527), um valor ético, que escapou, lamentavelmente, ao catecismo frouxo do "materialismo dialéctico":
"A maior parte das censuras ao actual mecanismo económico nasce de um equívoco: a ignorância da dureza pré-capitalista. As críticas partem da comparação, necessariamente mítica e injusta, daquilo que é com o que devia ser. Assim se perdem de vista os incríveis ganhos que a livre troca e iniciativa trouxeram à humanidade. Os notáveis avanços na saúde e comunicação, conforto e arte, cultura e liberdade, que tantos vêem como direitos, são inseparáveis do capitalismo. Acima de tudo, são incríveis os ganhos na redução da pobreza. A população mundial na situação de carência (menos de 1,25 dólares por dia) caiu de 35% do total para menos de 26% nos últimos dez anos. Isso significou arrancar à miséria 50 milhões de pessoas por ano. Quem fez isto não foi a ajuda ao Terceiro Mundo, a caridade cristã ou a sociedade socialista, mas a entrada na economia de mercado pela globalização".
Em Cabo Verde, o regime totalitário do Partido Único, imposto pelo PAIGC/CV a partir da independência nacional, estabeleceu, com base nos dogmas marxistas, uma mentalidade francamente antieconómica.
A iniciativa privada era combatida fortemente, como sinónimo de "egoísmo" e "exploração do homem pelo homem".
Em virtude de um atavismo incompreensível, Cabo Verde desligou-se do sistema económico internacional, perdendo oportunidades e atrasando-se notoriamente, em termos, sobretudo, de capacidade tecnológica e ideias inovadoras. O investimento estrangeiro era insignificante.
Havia que resguardar a nação da influência maligna do "capital" e dos vilões do Ocidente liberal, segundo as sábias orientações do marxismo-leninismo!
Os manuais escolares estavam recheados dessas tolices ideológicas.
O Estado dominava as indústrias e controlava a economia.
Quando a odisseia da I República terminou, em 1991, Cabo Verde tinha uma factura caríssima à sua frente: desemprego elevado e uma taxa de crescimento económico quase nula (cerca de 1%). MpD recebeu um país tecnicamente estagnado.

Após um ambicioso programa de reformas (a começar pelo sistema político, com a aprovação da Constituição de 1992, que instituiu o Estado de Direito e a prioridade ontológica da dignidade humana), Cabo Verde começou a mudar, entrando nos eixos do desenvolvimento e da modernidade.
Nos finais da década de 90, os resultados sociais eram claros: um crescimento económico apreciável (cerca de 8%) e um bom Índice de Desenvolvimento Humano (vide os relatórios do PNUD). O desemprego conheceu uma redução bastante acentuada.

Olavo Correia, num recente artigo publicado no Expresso das Ilhas (4/8/2009, p. 8) tem plena razão. O PAICV do Sr. José Maria Pereira Neves, ao privilegiar o Estado em vez das empresas, desenhou uma política económica errada, que não consegue resolver a questão do desemprego, a prioridade cimeira de qualquer Governo responsável.
O falhanço é clamoroso. As metas do Programa da actual Legislatura não foram cumpridas.
Quem dá emprego (e inova - novos produtos e serviços) são as empresas. Se não houver um enquadramento institucional que estimule a actividade empresarial e o crescimento económico, o problema manter-se-á praticamente insolúvel.

Os actuais governantes, com toda a sua cantilena dos "ganhos na economia", parecem não perceber a raiz do problema.

Olavo aponta, a meu ver, ideias interessantes para sairmos do marasmo. Concordo com quase todas, desde a baixa fiscalidade à aposta num Estado mínimo, promotor das empresas e da criação de mais riqueza.

Vale a pena ler e discutir as suas propostas.
O Estado liberal não é um Estado ausente.

Quem defende, em termos de Filosofia Política, a "extinção do Estado" são, que eu saiba, dois grupos bem identificados: os Marxistas e os Anarquistas. Mais ninguém.
Para o pensamento liberal, o Estado é sempre necessário. Garante a Justiça, a ordem pública, protege os mais fracos e disciplina a concorrência e a actividade económica. O Estado é o sustentáculo da res publica e da convivência civilizada.
Adam Smith, em pleno séc. XVIII, defendia a intervenção do Estado com vista à educação das classes mais pobres.
Vale a pena lembrar isto, num país, como o nosso, em que o pensamento totalitário contaminou todo o debate político.
Mas há um ponto que fica em aberto: abrir uma Escola de Negócios, massificar a Internet ou certificar as profissões (providências indiscutivelmente acertadas) fazem parte da "engenharia económica".
Com um simples Decreto, um burocrata dedicado pode criar tudo isso. E a Ética Económica, tão essencial à formação do capitalismo e à "vocação para o desenvolvimento"? Como se cria? Como se mantém? Pelos votos da maioria?
Abordaremos isso num próximo artigo, tentando explorar algumas facetas da nossa Psicologia Colectiva e das relações entre a Economia, a Moral, a Cultura e a Religião.
O tema é difícil e, por isso, não se prometem quaisquer panaceias. Mas é preciso abrir o debate, tocando, aliás, no ponto-chave do
desenvolvimento.



 

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Jurista e Docente Universitário

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