CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DO MpD
Senhor Engenheiro Jorge Santos: vossa excelência esteja
muito atento, porque o Ministro da Cultura já anunciou, e cito, “...que o
problema ficará suprimido com o ensino do alfabeto nas estruturas educativas”
(notícia publicada no Liberal, 22/01/2009). Ou seja, ele pretende impor,
brevemente, a sua cartilha linguístico-cultural no sistema geral de ensino em
Cabo Verde
Ex.mo senhor Jorge Santos, Presidente do MpD:
É na qualidade de cidadão que lhe escrevo estas breves
linhas, preocupado com o rumo que o Governo do PAICV quer impor no atinente à
política cultural.
O PAICV, orientado por um “discurso legitimador” de cunho
totalitário, já tinha dado sinais de sobra quando criou o perigoso precedente de
expulsão das jovens grávidas dos liceus, “medida” aberrante que pôs fim, num
lance macabro de autoritarismo terceiro-mundista, ao sonho de dezenas e dezenas
de adolescentes cabo-verdianas.
Vossa excelência, enquanto líder do maior partido da
oposição, o partido que aprovou, aliás, a Constituição da Liberdade em Cabo
Verde (em 1992), não pode ficar indiferente a esse estado de coisas.
A actual Ministra da Educação é, por falar nisso, a
mesmíssima senhora que, ontem, mui simpática e afoita, sufragava, com
“argumentos” despidos de qualquer fundamentação constitucional, a expulsão das
alunas grávidas. É uma vergonha, senhor Jorge Santos, que o nosso país tenha uma
figura desse talante à frente de um Ministério da Educação (bem, na formidável
Neveslândia já nada surpreende: a Ministra da “Justiça” não é essa jeitosa que,
no âmbito do “saco azul”, acautelou-se, em tempo hábil, com o salário de
“consultora”, enquanto prestava simples assessoria, ganhando, assim, uma quantia
bastante superior à custa dos contribuintes?! Ela compreendeu, muito antes dos
demais compatriotas, e de forma assaz criativa!, o que é “pertencer” a um país
de “rendimento médio”. Ipso facto, não brincou em serviço...).
O mais estranho é, todavia, isto: o partido que vossa
excelência dirige nunca levantou a voz, que eu saiba, contra esse autoritarismo
larvar, salvo um ou outro gemido esparso articulado no Parlamento, cumprindo,
talvez, aquele ritual meigo e suave do “politicamente correcto”.
Vossa excelência, melhor do que ninguém, sabe que a
Constituição democrática é a base de uma convivência plural e civilizada. E sabe
também que, num Estado de Direito, “As leis e os demais actos do Estado, do
poder local e dos entes públicos em geral só serão válidos se forem conformes
com a Constituição” (art. 3.º, n.º 3, da Constituição da República).
Por isso lhe peço, prezado Engenheiro e líder político,
que, ao nível da Assembleia Nacional, faça sempre ouvir a sua voz, e dê
esperança aos cabo-verdianos, neste ano de 2009 que ora desponta.
O mais recente atentado às liberdades cívicas do povo
cabo-verdiano vem, precisamente, do Ministro da Cultura, o qual acaba de
anunciar a chamada “institucionalização do ALUPEC”.
Ninguém desconhece que o sr. Dr. Manuel Veiga, desde há
décadas, vem trabalhando, com afinco, nesse sentido. Não discuto o seu mérito
científico, nem tampouco o seu valor humano.
O que espero, senhor Jorge Santos, é que se oponha, no
Parlamento, a essa nova e descabida “tentação totalitária”, como diria
Jean-François Revel.
O senhor Manuel Veiga pode criar e recriar aquilo que
quiser, e fazer, se quiser ainda, mil teses de doutoramento sobre essa matéria.
Pode escrever as páginas mais brilhantes sobre Filologia românica e línguas
nativas; pode dissertar sobre as virtudes mágicas do “k” e da interessantíssima
forma de escrever o “seu” crioulo. Pode até ganhar o Prémio Nobel da
Literatura.
O que não pode, jamais, é IMPOR a sua visão (estética,
ideológica, etc.) ao povo cabo-verdiano.
Ninguém está disposto a aceitar a ditadura cultural do sr.
Manuel Veiga e companhia. Despotismo, forget it!
Senhor Engenheiro Jorge Santos: vossa excelência esteja
muito atento, porque o Ministro da Cultura já anunciou, e cito, “...que o
problema ficará suprimido com o ensino do alfabeto nas estruturas educativas”
(notícia publicada no Liberal, 22/01/2009). Ou seja, ele pretende impor,
brevemente, a sua cartilha linguístico-cultural no sistema geral de ensino em
Cabo Verde.
Ora, isso contraria, frontalmente, a missão do Governo.
Governar, em democracia, é respeitar, antes de tudo, a Constituição da República
e os seus princípios. O sr. Manuel Veiga não está, nem pode estar, acima da
Constituição. O seu respeitável bigode não lhe dá o direito de impor qualquer
“diktat” em nome da “cultura” ou de algum revivalismo emancipatório.
De acordo com o art. 49.º, n.º 2, alínea c), da
Constituição da República, o Estado está absolutamente proibido de “...programar
a educação e o ensino segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas”. Os alunos não são, pois, cobaias do
Ministro da Cultura.
Esta norma constitucional (que consagra a chamada
“Liberdade de aprender, de educar e de ensinar”) constitui, segundo os
constitucionalistas mais autorizados, uma das garantias básicas da cidadania, um
dos principais “direitos, liberdades e garantias” da pessoa humana.
Mas porque é que isso acontece? Porque, entre nós, ao
contrário dos países mais desenvolvidos, o Ministério da Educação controla tudo,
impondo a sua cartilha ideológica aos alunos e às famílias, fazendo, enfim,
tábua rasa da Constituição e da dignidade humana. O Ministério da Educação
funciona assim, como diria o cientista político João Carlos Espada, como “a
última herança de Brejnev”...
A ditadura mental substitui-se, deste modo, à liberdade e à
autêntica pedagogia democrática. O “unanimismo” (política cultural de sentido
único) é o dogma central da burocracia educativa centralizada.
Já é tempo, senhor Jorge Santos, de quebrar esse monopólio
inaceitável, que a Constituição proíbe e o bom senso não aconselha. Como?
Através de um sistema novo e mais plural, o “voucher”, como dizem os
anglo-saxónicos. Trata-se de um sistema simples, que tem dado resultados
extraordinários em muitos países do mundo: o Estado entrega um cheque
(“voucher”) às famílias e estas, no exercício da sua liberdade, ESCOLHEM a
escola que querem para os seus filhos (que pode ser uma escola pública,
religiosa ou particular). Funcionando as escolas num regime de concorrência,
acaba-se logo com o laxismo e a promoção da indisciplina. É que os pais
normalmente não escolhem as escolas onde se fomenta a delinquência
juvenil...
As famílias escolhem as escolas que transmitem valores e
ensinam algo de útil aos seus filhos. Não é por acaso que, nos Estados Unidos e
na Europa, as escolas católicas, empenhadas numa tradição secular de excelência,
aparecem sempre na lista anual das melhores.
O papel do Estado é subsidiário, e não principal, como
pretende um certo “paternalismo”, na educação das crianças. Esta é a fronteira
entre uma Sociedade Aberta e uma ditadura disfarçada. Leia-se, aliás, o art.
26.º, n.º 3, da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Aos pais pertence a
prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos
filhos”[1].
O sr. Manuel Veiga educa os seus filhos de acordo com a sua
consciência; deve compreender que cada família tem a mesmíssima liberdade de
escolher o tipo de educação que quer para os seus filhos.
Não tenho dúvidas, por exemplo, que muitas famílias
cabo-verdianas preferem que os seus filhos aprendam, nesta era da globalização,
uma língua estrangeira em vez do curioso e kafkiano ALUPEC, a “novilíngua”
veiguiana.
Alguns politicantes, sr. Jorge Santos, dir-lhe-ão: “ah!
isso é para os países ricos”. Não, não é.
Mesmo em Cabo Verde, a ditadura do Ministério da Educação é
um fenómeno relativamente recente. O Seminário-Liceu de São Nicolau e tanta
gente que chegou à distinção sem a “cartilha de Brejnev” é a prova histórica
mais cabal de que há mais mundo para além do monopólio estatal da cultura e do
ensino.
É simples: basta pegar na verba que o Estado inscreve,
anualmente, no seu orçamento (a parte destinada à educação...) e entregar isso
às famílias, sobretudo às mais pobres; deixá-las, depois, exercer a liberdade de
escolha (o renomado economista José Manuel Moreira sugere, por exemplo, a
devolução do dinheiro às famílias através de uma redução ou desconto nos
impostos – cf. Ética, Democracia e Estado, Principia, Cascais, 2002, p. 79).
Senhor Jorge Santos, espero ter tocado nos pontos centrais.
Conto com a sua solicitude!
Por hoje, é tudo! Fico, pois, por aqui. Sei-o homem
ocupadíssimo. Eu também, da minha parte, tenho alguns deveres que reclamam
redobrada atenção.
Desejo-lhe, então, um 2009 cheio de paz e prosperidade.
A bem da República!
Casimiro Jesus Lopes de Pina, Macau, aos 23 dias do mês de
Janeiro do ano de Cristo de 2009.
[1] Aos incautos de costume, recorde-se que, nos termos do
art. 17.º, n.º 3, da Constituição da República de Cabo Verde, as normas
constitucionais e legais relativas aos direitos fundamentais devem ser
interpretadas e integradas de harmonia com a DUDH.
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