A LIGEIREZA DE UM SOCIÓLOGRO
... ao contrário da sugestão estrábica do dr. Júlio, não
pode ser só com a câmara municipal de São Vicente: a coisa deve começar ali
mesmo na capital do país, onde está a sede da Procuradoria e, qual ciranda
implacável, girar fluente pelas ilhas e por todos os recantos burocráticos, sem
esquecer a câmara dos Mosteiros, a “Cabo Verde Investimentos” e outros serviços
públicos semelhantes
“A principal virtude das leys está na execução dellas,
aqual sem prática de hordenado juízo não pode ser trazida à boa perfeição” –
Ordenações Afonsinas, Livro III
Júlio Lopes Correia de sua graça!
O ilustre cavalheiro decidiu, com a autoridade pujante do
cargo que ocupa, defender a honra da Neveslândia, embalando o leitor com uma
prosa
(http://www.paicv.cv/index.php?option=com_content&task=view&id=709&Itemid=69)
carregada de uma “sabedoria” linear (do tipo: “conversas da treta de Edson
Medina”), sem altura nem poder de argumentação, é certo, mas razoavelmente
convincente, enquanto peça de desinformação, evidentemente.
Júlio Correia é um escrevinhador menor, com tiques sinceros
de funcionário público.
A rábula é banal e sem qualquer sofisticação. Em bicos de
pés, o dr. Júlio critica a “prosa desarticulada” de Isaura Gomes. Esse mesmo
Júlio Correia que escreve tolices do género:
“Este pedido de interpelação, persegue dois
objectivos...”(sic). A vírgula está mal colocada.
Não podia nunca surgir aí, antes do verbo. My dog, isto
aprende-se na escola primária!
Trata-se, claramente, de uma “não frase”. O texto do dr.
Júlio é todo assim, recheado de “frases” mal construídas e ideias desconexas.
Outro exemplo: “Naufrágio eminente”. Aqui o homem, ao prognosticar o pior para
Isaura Gomes, certamente quis dizer “iminente”, porque, se for “eminente”, a
edil da ilha do Monte Cara sairá em grande desse lindo “naufrágio”!
Júlio Correia tenta fazer, como diz, a “radiografia de uma
interpelação” e, além disso, da gestão autárquica da dra. Isaura.
Como um bom manga-de-alpaca, ele possui, inscrito na alma,
aquele paternalismo do “quero, posso e mando”, aquele espírito cartolar de
“papel timbrado”, persecutório, sectário q.b., obcecado, sempre, em inquirir
minudências, tentando, através do ardil majestoso de interpretações viciadas e
conjecturas insidiosas, cassar, então, o mandato da dra. Isaura Gomes, a mulher
mais popular de Cabo Verde, cujo percurso político é, no mínimo, um “case study”
e uma referência no contexto africano.
Isaura Gomes pode ter mil defeitos, mas é uma senhora de
fibra, uma lutadora incansável, uma figura com presença e uma representante
digna da cultura mindelense, essa mistura atraente de “dolce vita” e
cosmopolitismo.
O sr. vice-presidente da Assembleia Nacional, na calha de
meias-verdades, na ânsia instintiva de manipular consciências, esquece que a
verdade é inteira e indivisível; que a ética é uma regra justa: “all or
nothing”, diria um Dworkin.
Processos? Tribunais? Não tenha pressa, dr. Júlio Correia,
que, nessa história de “terrenos”, o feitiço ainda pode virar-se contra o
feiticeiro...
Se o poder judicial quiser, tudo há-de resolver-se, de
forma imparcial, nos limites da Lei.
Mas, ao contrário da sugestão estrábica do dr. Júlio, não
pode ser só com a câmara municipal de São Vicente: a coisa deve começar ali
mesmo na capital do país, onde está a sede da Procuradoria e, qual ciranda
implacável, girar fluente pelas ilhas e por todos os recantos burocráticos, sem
esquecer a câmara dos Mosteiros, a “Cabo Verde Investimentos” e outros serviços
públicos semelhantes.
Accountability: sem rebuços e para todos.
Mas o dr. Júlio, ancorado na parcialidade, foge dessas
questões. Ele só vê numa direcção.
O que ele defende é um logro.
A única “dialéctica” que ele conhece é, aliás, a mistela
ideológica que aprendeu nos tempos da mobilização juvenil: canalizar todos os
recursos para defender “o partido”. A grande referência é sempre, e
invariavelmente, o “partido-Estado”.
Eufórico, Júlio declara: “Uma tal agenda, a do paicv, é
para servir Cabo Verde e o seu desenvolvimento e não se relaciona com o
calendário político ou interesses particulares deste e daquele partido”. O PAICV
é, pois, o intérprete da “vontade colectiva”.
Os factos indicam, contudo, este pormenor desagradável: as
metas principais do dr. José Maria Neves (redução do desemprego, reforma da
justiça, etc.) não foram cumpridas. E daí?
No “imaginário” político dessa gente os factos não contam.
O Governo pode ter falhado redondamente, mas o Partido, este príncipe
omnipotente, nunca falha! O clarim da propaganda confirma, aliás, a cada passo,
numa liturgia cega e monolítica, a velha crença.
No fim, surge esta equação curiosa: o país pode perder, mas
o partido e as clientelas ganham sempre!
É esta a razão pela qual Júlio Correia, contrariando a
ciência económica (benefícios da concorrência), a moral (justiça nas relações
contratuais) e o direito (limitação do poder, “État legal”, “Rechtstaat”, etc.),
prefere, na adjudicação de obras milionárias, o “ajuste directo” entre o Governo
e algumas empresas escolhidas a dedo.
O dr. Júlio e os seus comparsas podem não acreditar nos
princípios constitucionais vigentes, mas sabem o que significa
“rent-seeking”...
Seja o primeiro a comentar
Enviar um comentário