segunda-feira, 7 de julho de 2008

TRÊS LIÇÕES DO ZIMBABWE

A Independência (nacional) e a Liberdade são conceitos diferentes. Muitos julgam que são sinónimos. É um erro grave, todavia. Não fazer a destrinça, neste caso, não é só uma falha filosófica lamentável: é, sobretudo, condenar uma nação inteira ao subdesenvolvimento e à ditadura política… "A liberdade da Pátria é a independência em relação a todos os países estrangeiros. A do Homem é a independência do indivíduo em relação ao Governo do seu próprio País…” Em Cabo Verde, sublinhe-se, as coisas não foram muito diferentes...
"Os mitos não são histórias que se contem como um fim em si: são histórias que dão conta de certas características das sociedades a que pertencem. Explicam porque certos ritos nelas se observam, explicam a origem das leis, dos totens, dos clãs, da classe dominante..." - Northrop Frye
As recentes peripécias protagonizadas pelo Frankenstein (a expressão é do bispo sul-africano Desmond Tutu, inspirado talvez pelo célebre filme de Mel Brooks...) do Zimbabwe, o patético Robert Mugabe, "vencedor" de umas eleições presidenciais marcadas pela violência e pela farsa monumental, trazem à colação alguns problemas de filosofia política que podem ser resumidos, "brevitatis causa", em três lições:
1) - As eleições não são a essência da democracia. São apenas um meio, não o fim. Da União Europeia ao insuspeito Nelson Mandela, todos condenaram a pantomima engendrada pelo chefículo de Harare. É um facto: a "narrativa" democrática é muito mais que a comédia eleitoral imaginada pelos suseranos de pacotilha. A essência da democracia está no respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana. Sem o "Bill of Rigths", a democracia é um poço sem fundo, um "círculo vicioso" mediado pela fraude e pelo despotismo dos mais fortes. Há uma inscrição na Divina Comédia, afixada justamente na porta do inferno, que serve para ilustrar a mugabeana democracia totalitária: "Ó vós que entrais, perdei toda a esperança".
2) - A força de um país está na solidez e transparência das suas instituições. Não se trata de subscrever ou não as teses de Douglass North, mas de aceitar, com humildade, os ensinamentos da história. Zimbabwe que, na altura da independência (1980), era um dos países mais promissores de África, transformou-se, hoje, numa pequena "caserna totalitária" onde a miséria e a opressão pautam o quotidiano popular. A economia desabou, com as políticas socialistas do sr. Mugabe, confiante na magia da nacionalização e na falácia colectivista. O tirano suprimiu a iniciativa privada e originou a bancarrota. Resultado: uma inflação superior a 100.000%, um altíssimo nível de desemprego (cerca de 80%) e a carestia geral. Falta tudo no Zimbabwe, excepto o delírio discursivo do psicopata "eleito" à bastonada. (Para uma iluminante comparação entre Botswana e Zimbabwe, ver João Luiz Mauad: www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=6072&language=pt).
3) - A Independência (nacional) e a Liberdade são conceitos diferentes. Muitos julgam que são sinónimos. É um erro grave, todavia. Não fazer a destrinça, neste caso, não é só uma falha filosófica lamentável: é, sobretudo, condenar uma nação inteira ao subdesenvolvimento e à ditadura política. Quem melhor compreendeu a gravidade destas questões foi Juan Bautista Alberdi, grande pensador e estadista argentino do séc. XIX. Ponderando com argúcia, ele escreveu: "A liberdade da Pátria é a independência em relação a todos os países estrangeiros. A do Homem é a independência do indivíduo em relação ao Governo do seu próprio País. A liberdade da Pátria é compatível com as maiores tiranias e ambas podem coexistir num mesmo País". O que Alberdi quis dizer é, no fundo, isto: uma ditadura é sempre uma ditadura, seja exercida por brancos ou pretos, por partidos "nacionais" ou potências estrangeiras. Não interessa a forma, mas a substância do regime político. A Liberdade necessita, sempre, de um poder limitado e de uma Administração Pública curvada ao interesse público e à dignidade humana ("Estado de direito", "État legal", "rule of Law", etc.). Não aceitando esta verdade cristalina, ontológica e eticamente decisiva, o continente africano tornou-se refém, na altura das independências, de pequenos e gloriosos "Frankensteins", que acumularam um poder ditatorial ilimitado em nome da "nação". Constituiu-se, no altar de um colectivismo monolítico, uma espécie de "monarquia nacionalista". Em Cabo Verde, sublinhe-se, as coisas não foram muito diferentes...

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Jurista e Docente Universitário

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