terça-feira, 12 de setembro de 2006

A BANALIDADE DO MAL: RECORDANDO O 11 DE SETEMBRO

O objectivo (estratégico) dos terroristas islâmicos é muito claro, e eles nunca o esconderam: instalar um Califado sobre o planeta inteiro. Um Califado governado pela “sharia”, a lei islâmica, em que a lei civil é substituída pelos ditames do “profeta”, numa confusão pré-moderna entre o Estado e a religião. Os vários atentados perpetrados, num ataque concertado contra as democracias e os seus aliados, visam esse objectivo último, notoriamente demente e ridículo. O objectivo é delirante, mas preciso. É por isso que questões concretas (como a pobreza, desigualdade, reforma da ONU, etc.) não têm aqui qualquer relevância. Como diria um especialista em terrorismo, o que os “integristas” censuram nos países ocidentais, e especialmente nos Estados Unidos, não é o facto de serem ricos, é o facto de não serem muçulmanos


Quando, sob o olhar estupefacto de milhões de telespectadores (eu era um deles), foi atingida a segunda torre do majestoso World Trade Center, em Nova Iorque, o mundo inteiro percebeu que algo, muito estranho, estava a acontecer. Algo verdadeiramente insólito. Diabólico. Horripilante. O significado do terror é exactamente isto: provocar o medo, difundir uma insegurança apocalíptica. O terrorista ensaia, com a sua brutalidade inusitada, uma autêntica descida ao inferno. O seu objectivo é fazer com que a humanidade perca a esperança. Ele não promete um mundo melhor. Quer, simplesmente, destruir este em que vivemos, guiado, na sua mente psicótica, por devaneios sombrios e impulsos niilistas. O seu objectivo é destruir. Destruir sempre, tomado por um instinto absolutamente mórbido. Lançar o caos é a sua meta, fonte de um como que deleite supremo. Qual é, afinal, a mola propulsora do terrorismo islâmico? Perturbar as sociedades pacíficas e democráticas do chamado Ocidente, onde o homem e a mulher são iguais perante a lei e os governantes são escolhidos e fiscalizados pelo povo. O seu ressentimento dirige-se contra as repúblicas comerciais, onde as pessoas comuns, nascidas muitas vezes na pobreza, podem comprar, vender, empreender, enriquecer, sonhar e prosperar! Onde os lugares não são determinados pelo nascimento, mas pelo talento e pela capacidade de criar e inovar.
A sua finalidade é, pois, destruir um certo sistema político: A Sociedade Aberta de que falava Popper, onde as raparigas, ao lado dos rapazes, podem cursar nas universidades, frequentar discotecas, falar à vontade e ir ao cinema; onde podemos ouvir a música que quisermos; adorar a divindade que quisermos, ou mesmo não adorar nenhuma, porque o Estado é laico e ser ateu não é crime; onde, enfim, a felicidade não é uma prerrogativa do Estado, ou das hierarquias religiosas, mas um direito do indivíduo, que tem, assim, a faculdade de determinar a sua personalidade, respeitando, unicamente, a liberdade dos outros. Numa sociedade democrática, ninguém nos pode obrigar a seguir a sua cartilha. Somos livres para examinar e seguir a nossa própria consciência. Não somos obrigados a aceitar a chantagem de quem quer que seja.
Logo depois, ficámos a saber que o edifício do Pentágono tinha sido igualmente atacado e que houve uma outra tentativa, felizmente abortada, de atingir a residência oficial do presidente norte-americano. Bin Laden, visivelmente satisfeito, apareceu, num vídeo, a incitar os seus “soldados”, prometendo novas chacinas e destruições. É a única coisa que ele sabe fazer, de resto. Hoje, vive numa gruta qualquer, num país qualquer, escondido como um verme, numa existência errante e aberrante, fugindo cobardemente das suas responsabilidades. A sua única utopia é destruir, pôr bombas, ceifar vidas inocentes, fomentar o terrorismo, provocar o pânico, em qualquer parte do globo, sob a chancela de uma “causa” maluca que ninguém percebe, a não ser ele e os seus sabujos narcotizados pelo ódio sem retorno.
Logo após o 11 de Setembro de 2001, Jean-Marie Colombani escreveu uma peça memorável, no “Le Monde”, em que dizia: “Nous sommes tous américains!”. A frase é extraordinária e expressa um sentimento sincero, a solidariedade, num momento trágico para o povo americano, e para tantas e tantas famílias do mundo inteiro, pois, nos ataques mencionados, foram atingidas pessoas de várias nacionalidades e religiões.
Mas foi sol de pouca dura. Imediatamente, vieram as “justificações” do costume. Uns disseram que a causa do terrorismo é a “pobreza” e que a América “merecia” esse ataque, por causa da sua “arrogância”. São desculpas imbecis. E revelam, por inteiro, o imenso ódio recalcado da seita ideológica que as congemina, abrangendo intelectuais e uma certa imprensa herdeira do totalitarismo político. Em primeiro lugar, o senhor Osama bin Laden não é pobre. Ele pertence a uma família riquíssima. Nunca teve falta de nada. Os carniceiros que tomaram os aviões de assalto também eram pessoas da classe média. Estudaram em boas universidades, assim como os autores do posterior atentado de Londres. Se a “pobreza” fosse, realmente, a grande causa do terrorismo, e não uma sua cobertura hipócrita, os maiores terroristas da história contemporânea deviam ser os habitantes da paupérrima África subsariana, onde o rendimento “per capita” é muito baixo e o Índice de Desenvolvimento Humano confrangedor. Mas não é isso que acontece! Além do mais: se bin Laden é, como dizem, tão simpático e “amigo dos pobres”, porque é que não consagra a sua fortuna às causas filantrópicas, educando crianças pobres, construindo hospitais de referência e habitações sociais, modernizando a agricultura africana, equipando as fábricas do Terceiro Mundo?
Esse “argumento” da pobreza é estúpido, insustentável. Mas há uma outra versão, ligeiramente mais sofisticada, segundo a qual os terroristas islâmicos, apesar de não serem pobres, estariam, ainda assim, a “lutar em nome dos pobres”, contra a “injusta” globalização, o “capitalismo”, e assim por diante. É, igualmente, um argumento sem sentido! A pobreza não se combate com bombas e destruição de larga escala. Os terroristas, com a sua acção violenta, destroem as infraestruturas económicas e sociais, como escolas, hospitais, estradas, pontes, edifícios públicos, estâncias turísticas, etc. Tudo isso, como se sabe, é um rude golpe contra a prosperidade de um país. Pior: eles desorganizam as instituições políticas, destroem a confiança e a tranquilidade pública, valores imateriais sem os quais não há qualquer ambiente propício ao desenvolvimento. A pobreza, já o afirmei uma vez, combate-se com mais transparência na Administração Pública, visando menos corrupção (que é, por falar nisso, bastante alta nas ditaduras do Médio Oriente), mais liberdade de comércio, inovação tecnológica, investimento produtivo, incentivos à criatividade e protecção dos direitos do indivíduo, a partir de uma imprensa criteriosa e de um sistema judicial credível e independente. A imensa riqueza produzida pelas sociedades abertas do Ocidente oferece-nos, se estivermos interessados, a mais completa prova, evidente e definitiva, acerca das Causas da Riqueza das Nações. Até a China já aprendeu, a partir das reformas económicas de Deng Xiaoping. É isso, porém, que os terroristas islâmicos recusam, com a cegueira própria dos idiotas fanatizados. O pior cego, dizia um velho ditado, é aquele que não quer ver...
Os atentados de 11 de Setembro só contribuíram, naturalmente, para aumentar a pobreza. No dia 1 de Outubro de 2001, o Banco Mundial divulgou um comunicado claríssimo a esse respeito: “A pobreza está em crescimento, na sequência dos atentados terroristas nos Estados Unidos. Em 2001 existem, adicionalmente, mais alguns milhões de seres humanos condenados à pobreza”. O turismo arrefeceu e os investimentos privados diminuíram brutalmente. O desemprego subiu em flecha.
Outros, vendo que esse argumento da “pobreza” já não pega, falam, então, num vago “choque de civilizações”, distorcendo a famosa tese popularizada por Huntington. Ora, é um falso argumento. Os Estados Unidos, no momento em que a pandilha da Al-Qaeda atacou Nova Iorque, não estavam em guerra contra a “civilização muçulmana”. Pelo contrário. No país de George Bush, existem milhares e milhares de imigrantes muçulmanos que fazem, livremente, a sua vida e seguem a sua religião, sem que ninguém os proíba, ao invés do que sucede no Médio Oriente, onde os cristãos são perseguidos e condenados por causa da sua fé. Além disso, ao contrário da Europa, a América não colonizou nenhum país muçulmano. Inclusivamente, as mais recentes guerras travadas pelos norte-americanos, no estrangeiro, tiveram por finalidade, justamente, defender populações muçulmanas ameaçadas pela tirania. Foi assim em 1991, quando Saddam Hussein anexou o Kuwait. Uma força internacional, liderada pelos americanos, libertou esse pequeno país. Ainda no caso do ditador iraquiano, os americanos defenderam os curdos e os xiitas, os quais, não fosse essa intervenção, podiam ser limpados do mapa.
No conflito israelo-árabe, a diplomacia mais consistente tem sido a norte-americana. Já em 1978, por pressão de Jimmy Carter, Israel aceitou devolver a península do Sinai ao Egipto, após um conflito desencadeado pelos árabes. Bush/pai incentivou, por sua vez, as negociações de paz, tendo em vista a criação de um Estado palestiniano viável. Se as coisas falharam, não foi por sua culpa. Bill Clinton multiplicou esses esforços, trabalhando arduamente e de boa fé. O representante de Israel, Shlomo Ben-Ami, disse a respeito: “Nenhuma nação europeia, nenhum fórum internacional, fez tanto pela causa palestiniana como Clinton”. Em 2000, Arafat recusou uma proposta considerada boa, e lançou-se na aventura da segunda Intifada, que piorou as coisas. O actual presidente, Bush jr, retomou os esforços dos seus antecessores. Chegou a defender, em 2002, num célebre discurso, que, após a instalação do Estado palestiniano, os israelitas deveriam regressar às suas fronteiras de 1967 e aceitar uma zona palestiniana em Jerusalém, contrariando, abertamente, o projecto de Ariel Sharon. Como se vê, a América não é assim tão “inimiga dos árabes”. Em 1993, no momento em que decorria o importante processo de paz de Oslo, operacionais da Al Qaeda faziam explodir uma bomba numa garagem do World Trade Center, prova de que os efectivos terroristas não querem saber de diplomacia nem de acordos políticos duradouros. Um silêncio protector, por parte da mídia chique, abafou a triste sequência dos acontecimentos.
Mas não é tudo. Na Europa, após muita fanfarrice da França e Alemanha, que se mostraram impotentes para pôr ordem na casa e garantir os direitos humanos, os norte-americanos foram chamados com ternura (e aqui, curiosamente, nem a França nem as boas almas da esquerda bem-pensante exigiram a famosa “autorização” do Conselho de Segurança – sobre esse argumento hipócrita da “autorização” ver, em geral, o meu artigo “Populismo, Paz Internacional e Republicanismo Kantiano”, publicado neste jornal; basta ir ao “arquivo”, escrever “casimiro de pina”, dar um clique em “ok” e procurar o texto) para conter o tresloucado Milosevic, protótipo dos monstros totalitários que a Europa produziu, em doses industriais, no século passado. Na Bósnia e no Kosovo, evitou-se, dessa forma, um massacre das populações muçulmanas pelo nacionalismo sérvio. E assim, como sucedera na altura da II Guerra Mundial, a América “fascista” livrou a Europa “democrática” de mais uma encrenca, e de mais um genocídio repugnante.
O próprio bin Laden e os “mujahadeen” do Afeganistão foram auxiliados pelos americanos, quando a União Soviética, com toda a sua celebrada fraternidade socialista, invadiu esse país montanhoso. Bin Laden pode acusar a América de tudo, menos de ausência de solidariedade ou falta de apoio. Aliás, os argumentos da “pobreza” e do “choque das civilizações” não são brandidos pelos terroristas. São, sobretudo, uma arma ideológica dos nostálgicos (ocidentais, africanos, etc.) da utopia socialista, os quais festejaram, como se sabe, os atentados de 11 de Setembro, como um belo acto de vingança, contra o país, símbolo do capitalismo, que venceu a Guerra Fria e derrotou, pelo menos no plano dos factos e da experiência histórica, as fantasias lunáticas e putrefactas do marxismo-leninismo.
O objectivo (estratégico) dos terroristas islâmicos é muito claro, e eles nunca o esconderam: instalar um Califado sobre o planeta inteiro. Um Califado governado pela “sharia”, a lei islâmica, em que a lei civil é substituída pelos ditames do “profeta”, numa confusão pré-moderna entre o Estado e a religião. Os vários atentados perpetrados, num ataque concertado contra as democracias e os seus aliados, visam esse objectivo último, notoriamente demente e ridículo. O objectivo é delirante, mas preciso. É por isso que questões concretas (como a pobreza, desigualdade, reforma da ONU, etc.) não têm aqui qualquer relevância. Como diria um especialista em terrorismo, o que os “integristas” censuram nos países ocidentais, e especialmente nos Estados Unidos, não é o facto de serem ricos, é o facto de não serem muçulmanos.
A histeria terrorista nada tem a ver com uma “guerra contra a pobreza”, que implicaria uma reflexão socrática sobre os métodos que fazem a prosperidade. É apenas, como sublinhou Paul Berman, num livro iluminante (“Terror and Liberalism”, W. W. Norton & Company, NY, 2004), uma nova fase de uma longa disputa: a luta entre a sociedade aberta e os seus rivais. Na Europa do século XIX, e inícios do século XX, essa luta mobilizou poetas, literatos, filósofos, estadistas e intelectuais. A saga vai continuar. A questão é saber se os adeptos do totalitarismo e da sociedade fechada merecem ganhar esta guerra. Penso que não! Se eles ganharem, o mundo entrará, como alertava Churchill perante a Casa dos Comuns, no dia em que a França capitulou perante Hitler, numa Nova Idade das Trevas. Há uma lição de Paul Berman que devemos reter com atenção: Qutb Sayyid e todos os outros fundadores do terrorismo islâmico conheciam as fontes intelectuais antiliberais da Europa e basearam-se, em boa medida, nelas. As mesmas fontes que alimentaram, afinal, o fascismo e o comunismo.
Churchill mostrou-nos o caminho certo. Como estadista de grande talento, resistiu e venceu, em nome da Liberdade, esse bem precioso que não tem preço! No mundo muçulmano, há também muita gente que anseia por reformas e pela mudança dos costumes. O grande desafio é, pois, modernizar o Islão, trabalhando com todos aqueles que preferem a via da moderação e dos direitos do Homem, o que implica a construção de Estados credíveis e responsáveis.
Como escreveu Rui Machete, “Os países muçulmanos não viveram nem a reforma religiosa do cristianismo, nem as revoluções britânica e francesa, nem o constitucionalismo liberal de tipo americano ou europeu. Na falta dessa história, a discussão teológico-política séria e a separação entre Estado e religião são tão indispensáveis como o crescimento do PIB...”. A questão decisiva é, portanto, a consagração de um projecto modernizador. O resto é fantochada e ressentimento, pensamentos fossilizados.

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Jurista e Docente Universitário

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