A BANALIDADE DO MAL: RECORDANDO O 11 DE SETEMBRO
O objectivo (estratégico) dos terroristas
islâmicos é muito claro, e eles nunca o esconderam: instalar um
Califado sobre o planeta inteiro. Um Califado governado pela “sharia”,
a lei islâmica, em que a lei civil é substituída pelos ditames do
“profeta”, numa confusão pré-moderna entre o Estado e a religião. Os
vários atentados perpetrados, num ataque concertado contra as
democracias e os seus aliados, visam esse objectivo último,
notoriamente demente e ridículo. O objectivo é delirante, mas preciso.
É por isso que questões concretas (como a pobreza, desigualdade,
reforma da ONU, etc.) não têm aqui qualquer relevância. Como diria um
especialista em terrorismo, o que os “integristas” censuram nos países
ocidentais, e especialmente nos Estados Unidos, não é o facto de serem
ricos, é o facto de não serem muçulmanos
Quando, sob o olhar estupefacto de milhões de
telespectadores (eu era um deles), foi atingida a segunda torre do
majestoso World Trade Center, em Nova Iorque, o mundo inteiro percebeu
que algo, muito estranho, estava a acontecer. Algo verdadeiramente
insólito. Diabólico. Horripilante. O significado do terror é
exactamente isto: provocar o medo, difundir uma insegurança
apocalíptica. O terrorista ensaia, com a sua brutalidade inusitada, uma
autêntica descida ao inferno. O seu objectivo é fazer com que a
humanidade perca a esperança. Ele não promete um mundo melhor. Quer,
simplesmente, destruir este em que vivemos, guiado, na sua mente
psicótica, por devaneios sombrios e impulsos niilistas. O seu objectivo
é destruir. Destruir sempre, tomado por um instinto absolutamente
mórbido. Lançar o caos é a sua meta, fonte de um como que deleite
supremo. Qual é, afinal, a mola propulsora do terrorismo islâmico?
Perturbar as sociedades pacíficas e democráticas do chamado Ocidente,
onde o homem e a mulher são iguais perante a lei e os governantes são
escolhidos e fiscalizados pelo povo. O seu ressentimento dirige-se
contra as repúblicas comerciais, onde as pessoas comuns, nascidas
muitas vezes na pobreza, podem comprar, vender, empreender, enriquecer,
sonhar e prosperar! Onde os lugares não são determinados pelo
nascimento, mas pelo talento e pela capacidade de criar e inovar.
A sua finalidade é, pois, destruir um certo
sistema político: A Sociedade Aberta de que falava Popper, onde as
raparigas, ao lado dos rapazes, podem cursar nas universidades,
frequentar discotecas, falar à vontade e ir ao cinema; onde podemos
ouvir a música que quisermos; adorar a divindade que quisermos, ou
mesmo não adorar nenhuma, porque o Estado é laico e ser ateu não é
crime; onde, enfim, a felicidade não é uma prerrogativa do Estado, ou
das hierarquias religiosas, mas um direito do indivíduo, que tem,
assim, a faculdade de determinar a sua personalidade, respeitando,
unicamente, a liberdade dos outros. Numa sociedade democrática, ninguém
nos pode obrigar a seguir a sua cartilha. Somos livres para examinar e
seguir a nossa própria consciência. Não somos obrigados a aceitar a
chantagem de quem quer que seja.
Logo depois, ficámos a saber que o edifício do
Pentágono tinha sido igualmente atacado e que houve uma outra
tentativa, felizmente abortada, de atingir a residência oficial do
presidente norte-americano. Bin Laden, visivelmente satisfeito,
apareceu, num vídeo, a incitar os seus “soldados”, prometendo novas
chacinas e destruições. É a única coisa que ele sabe fazer, de resto.
Hoje, vive numa gruta qualquer, num país qualquer, escondido como um
verme, numa existência errante e aberrante, fugindo cobardemente das
suas responsabilidades. A sua única utopia é destruir, pôr bombas,
ceifar vidas inocentes, fomentar o terrorismo, provocar o pânico, em
qualquer parte do globo, sob a chancela de uma “causa” maluca que
ninguém percebe, a não ser ele e os seus sabujos narcotizados pelo ódio
sem retorno.
Logo após o 11 de Setembro de 2001, Jean-Marie
Colombani escreveu uma peça memorável, no “Le Monde”, em que dizia:
“Nous sommes tous américains!”. A frase é extraordinária e expressa um
sentimento sincero, a solidariedade, num momento trágico para o povo
americano, e para tantas e tantas famílias do mundo inteiro, pois, nos
ataques mencionados, foram atingidas pessoas de várias nacionalidades e
religiões.
Mas foi sol de pouca dura. Imediatamente, vieram
as “justificações” do costume. Uns disseram que a causa do terrorismo é
a “pobreza” e que a América “merecia” esse ataque, por causa da sua
“arrogância”. São desculpas imbecis. E revelam, por inteiro, o imenso
ódio recalcado da seita ideológica que as congemina, abrangendo
intelectuais e uma certa imprensa herdeira do totalitarismo político.
Em primeiro lugar, o senhor Osama bin Laden não é pobre. Ele pertence a
uma família riquíssima. Nunca teve falta de nada. Os carniceiros que
tomaram os aviões de assalto também eram pessoas da classe média.
Estudaram em boas universidades, assim como os autores do posterior
atentado de Londres. Se a “pobreza” fosse, realmente, a grande causa do
terrorismo, e não uma sua cobertura hipócrita, os maiores terroristas
da história contemporânea deviam ser os habitantes da paupérrima África
subsariana, onde o rendimento “per capita” é muito baixo e o Índice de
Desenvolvimento Humano confrangedor. Mas não é isso que acontece! Além
do mais: se bin Laden é, como dizem, tão simpático e “amigo dos
pobres”, porque é que não consagra a sua fortuna às causas
filantrópicas, educando crianças pobres, construindo hospitais de
referência e habitações sociais, modernizando a agricultura africana,
equipando as fábricas do Terceiro Mundo?
Esse “argumento” da pobreza é estúpido,
insustentável. Mas há uma outra versão, ligeiramente mais sofisticada,
segundo a qual os terroristas islâmicos, apesar de não serem pobres,
estariam, ainda assim, a “lutar em nome dos pobres”, contra a “injusta”
globalização, o “capitalismo”, e assim por diante. É, igualmente, um
argumento sem sentido! A pobreza não se combate com bombas e destruição
de larga escala. Os terroristas, com a sua acção violenta, destroem as
infraestruturas económicas e sociais, como escolas, hospitais,
estradas, pontes, edifícios públicos, estâncias turísticas, etc. Tudo
isso, como se sabe, é um rude golpe contra a prosperidade de um país.
Pior: eles desorganizam as instituições políticas, destroem a confiança
e a tranquilidade pública, valores imateriais sem os quais não há
qualquer ambiente propício ao desenvolvimento. A pobreza, já o afirmei
uma vez, combate-se com mais transparência na Administração Pública,
visando menos corrupção (que é, por falar nisso, bastante alta nas
ditaduras do Médio Oriente), mais liberdade de comércio, inovação
tecnológica, investimento produtivo, incentivos à criatividade e
protecção dos direitos do indivíduo, a partir de uma imprensa
criteriosa e de um sistema judicial credível e independente. A imensa
riqueza produzida pelas sociedades abertas do Ocidente oferece-nos, se
estivermos interessados, a mais completa prova, evidente e definitiva,
acerca das Causas da Riqueza das Nações. Até a China já aprendeu, a
partir das reformas económicas de Deng Xiaoping. É isso, porém, que os
terroristas islâmicos recusam, com a cegueira própria dos idiotas
fanatizados. O pior cego, dizia um velho ditado, é aquele que não quer
ver...
Os atentados de 11 de Setembro só contribuíram,
naturalmente, para aumentar a pobreza. No dia 1 de Outubro de 2001, o
Banco Mundial divulgou um comunicado claríssimo a esse respeito: “A
pobreza está em crescimento, na sequência dos atentados terroristas nos
Estados Unidos. Em 2001 existem, adicionalmente, mais alguns milhões de
seres humanos condenados à pobreza”. O turismo arrefeceu e os
investimentos privados diminuíram brutalmente. O desemprego subiu em
flecha.
Outros, vendo que esse argumento da “pobreza” já
não pega, falam, então, num vago “choque de civilizações”, distorcendo
a famosa tese popularizada por Huntington. Ora, é um falso argumento.
Os Estados Unidos, no momento em que a pandilha da Al-Qaeda atacou Nova
Iorque, não estavam em guerra contra a “civilização muçulmana”. Pelo
contrário. No país de George Bush, existem milhares e milhares de
imigrantes muçulmanos que fazem, livremente, a sua vida e seguem a sua
religião, sem que ninguém os proíba, ao invés do que sucede no Médio
Oriente, onde os cristãos são perseguidos e condenados por causa da sua
fé. Além disso, ao contrário da Europa, a América não colonizou nenhum
país muçulmano. Inclusivamente, as mais recentes guerras travadas pelos
norte-americanos, no estrangeiro, tiveram por finalidade, justamente,
defender populações muçulmanas ameaçadas pela tirania. Foi assim em
1991, quando Saddam Hussein anexou o Kuwait. Uma força internacional,
liderada pelos americanos, libertou esse pequeno país. Ainda no caso do
ditador iraquiano, os americanos defenderam os curdos e os xiitas, os
quais, não fosse essa intervenção, podiam ser limpados do mapa.
No conflito israelo-árabe, a diplomacia mais
consistente tem sido a norte-americana. Já em 1978, por pressão de
Jimmy Carter, Israel aceitou devolver a península do Sinai ao Egipto,
após um conflito desencadeado pelos árabes. Bush/pai incentivou, por
sua vez, as negociações de paz, tendo em vista a criação de um Estado
palestiniano viável. Se as coisas falharam, não foi por sua culpa. Bill
Clinton multiplicou esses esforços, trabalhando arduamente e de boa fé.
O representante de Israel, Shlomo Ben-Ami, disse a respeito: “Nenhuma
nação europeia, nenhum fórum internacional, fez tanto pela causa
palestiniana como Clinton”. Em 2000, Arafat recusou uma proposta
considerada boa, e lançou-se na aventura da segunda Intifada, que
piorou as coisas. O actual presidente, Bush jr, retomou os esforços dos
seus antecessores. Chegou a defender, em 2002, num célebre discurso,
que, após a instalação do Estado palestiniano, os israelitas deveriam
regressar às suas fronteiras de 1967 e aceitar uma zona palestiniana em
Jerusalém, contrariando, abertamente, o projecto de Ariel Sharon. Como
se vê, a América não é assim tão “inimiga dos árabes”. Em 1993, no
momento em que decorria o importante processo de paz de Oslo,
operacionais da Al Qaeda faziam explodir uma bomba numa garagem do
World Trade Center, prova de que os efectivos terroristas não querem
saber de diplomacia nem de acordos políticos duradouros. Um silêncio
protector, por parte da mídia chique, abafou a triste sequência dos
acontecimentos.
Mas não é tudo. Na Europa, após muita fanfarrice
da França e Alemanha, que se mostraram impotentes para pôr ordem na
casa e garantir os direitos humanos, os norte-americanos foram chamados
com ternura (e aqui, curiosamente, nem a França nem as boas almas da
esquerda bem-pensante exigiram a famosa “autorização” do Conselho de
Segurança – sobre esse argumento hipócrita da “autorização” ver, em
geral, o meu artigo “Populismo, Paz Internacional e Republicanismo
Kantiano”, publicado neste jornal; basta ir ao “arquivo”, escrever
“casimiro de pina”, dar um clique em “ok” e procurar o texto) para
conter o tresloucado Milosevic, protótipo dos monstros totalitários que
a Europa produziu, em doses industriais, no século passado. Na Bósnia e
no Kosovo, evitou-se, dessa forma, um massacre das populações
muçulmanas pelo nacionalismo sérvio. E assim, como sucedera na altura
da II Guerra Mundial, a América “fascista” livrou a Europa
“democrática” de mais uma encrenca, e de mais um genocídio repugnante.
O próprio bin Laden e os “mujahadeen” do
Afeganistão foram auxiliados pelos americanos, quando a União
Soviética, com toda a sua celebrada fraternidade socialista, invadiu
esse país montanhoso. Bin Laden pode acusar a América de tudo, menos de
ausência de solidariedade ou falta de apoio. Aliás, os argumentos da
“pobreza” e do “choque das civilizações” não são brandidos pelos
terroristas. São, sobretudo, uma arma ideológica dos nostálgicos
(ocidentais, africanos, etc.) da utopia socialista, os quais
festejaram, como se sabe, os atentados de 11 de Setembro, como um belo
acto de vingança, contra o país, símbolo do capitalismo, que venceu a
Guerra Fria e derrotou, pelo menos no plano dos factos e da experiência
histórica, as fantasias lunáticas e putrefactas do marxismo-leninismo.
O objectivo (estratégico) dos terroristas
islâmicos é muito claro, e eles nunca o esconderam: instalar um
Califado sobre o planeta inteiro. Um Califado governado pela “sharia”,
a lei islâmica, em que a lei civil é substituída pelos ditames do
“profeta”, numa confusão pré-moderna entre o Estado e a religião. Os
vários atentados perpetrados, num ataque concertado contra as
democracias e os seus aliados, visam esse objectivo último,
notoriamente demente e ridículo. O objectivo é delirante, mas preciso.
É por isso que questões concretas (como a pobreza, desigualdade,
reforma da ONU, etc.) não têm aqui qualquer relevância. Como diria um
especialista em terrorismo, o que os “integristas” censuram nos países
ocidentais, e especialmente nos Estados Unidos, não é o facto de serem
ricos, é o facto de não serem muçulmanos.
A histeria terrorista nada tem a ver com uma
“guerra contra a pobreza”, que implicaria uma reflexão socrática sobre
os métodos que fazem a prosperidade. É apenas, como sublinhou Paul
Berman, num livro iluminante (“Terror and Liberalism”, W. W. Norton
& Company, NY, 2004), uma nova fase de uma longa disputa: a luta
entre a sociedade aberta e os seus rivais. Na Europa do século XIX, e
inícios do século XX, essa luta mobilizou poetas, literatos, filósofos,
estadistas e intelectuais. A saga vai continuar. A questão é saber se
os adeptos do totalitarismo e da sociedade fechada merecem ganhar esta
guerra. Penso que não! Se eles ganharem, o mundo entrará, como alertava
Churchill perante a Casa dos Comuns, no dia em que a França capitulou
perante Hitler, numa Nova Idade das Trevas. Há uma lição de Paul Berman
que devemos reter com atenção: Qutb Sayyid e todos os outros fundadores
do terrorismo islâmico conheciam as fontes intelectuais antiliberais da
Europa e basearam-se, em boa medida, nelas. As mesmas fontes que
alimentaram, afinal, o fascismo e o comunismo.
Churchill mostrou-nos o caminho certo. Como
estadista de grande talento, resistiu e venceu, em nome da Liberdade,
esse bem precioso que não tem preço! No mundo muçulmano, há também
muita gente que anseia por reformas e pela mudança dos costumes. O
grande desafio é, pois, modernizar o Islão, trabalhando com todos
aqueles que preferem a via da moderação e dos direitos do Homem, o que
implica a construção de Estados credíveis e responsáveis.
Como escreveu Rui Machete, “Os países muçulmanos
não viveram nem a reforma religiosa do cristianismo, nem as revoluções
britânica e francesa, nem o constitucionalismo liberal de tipo
americano ou europeu. Na falta dessa história, a discussão
teológico-política séria e a separação entre Estado e religião são tão
indispensáveis como o crescimento do PIB...”. A questão decisiva é,
portanto, a consagração de um projecto modernizador. O resto é
fantochada e ressentimento, pensamentos fossilizados.
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